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1854-2004 - Planos Ferroviários
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Muitos atribuem a singular esterilidade do Caminho de Ferro D. Pedro II ao fatal erro de sua gerência e administração pelo Estado. É inegável que o monopólio governamental tem grande parte no triste fato de conservarem-se baldios, por vinte longos anos, terrenos situados a uma hora de opulenta capital, como o Rio de Janeiro. Uma companhia teria, desde muito, compreendido que era criar renda promover a subdivisão e a cultura desses terrenos [André Rebouças, Ao Itatiaya, Rio de Janeiro, 1878].
A mera observação das ferrovias — atuais ou passadas — pouco informa sobre os planos de viação férrea, fluvial e litorânea discutidos, desde o século XIX, em conexão com "projetos nacionais" referidos a objetivos como: "ocupação" (povoamento), "integração" (unidade política), "integridade territorial" (presença do Estado), "defesa" (presença militar), "colonização" (divisão das terras) e/ou "industrialização" (circulação, mercado interno) — objetivos associados, quase sempre, também ao projeto de mudança da capital do país, do Rio de Janeiro para o planalto central.
A ausência de um mercado consumidor significativo, a fraca industrialização — e a hegemonia dos senhores de terras — contribuíram decisivamente para que todos os planos de viação tivessem aplicação apenas fragmentária (nos poucos casos em que coincidiam com determinado interesse local), adiando indefinidamente a formação de uma "rede" ferroviária.
Exceções — bastante relativas — foram as áreas cafeeiras do Estado do Rio / Zona da Mata Mineira, e do Estado de São Paulo / Sul de Minas, nas quais se desenvolveu uma forma sofisticada de ferrovia "plantação–porto" — em forma de leque irregular, onde o produto de exportação freqüentemente viaja em zig-zag (às vezes em direção oposta ao porto), submetida à lógica da "concentração" (a partir de ramais ou ferrovias subsidiárias) para maior racionalidade econômica da empresa "principal".
Empresas como a Mogiana e a Paulista "benevolentemente" abriam mão de seus "privilégios de zona" em favor de empresas "tributárias" — na verdade, exploravam-nas, obtendo o filé da remuneração e deixando a elas o osso — e tornavam-se, por sua vez, tributárias da "inglesa", a São Paulo Railway, compacta e altamente lucrativa, proprietária do gargalo por onde todo o café teria obrigatoriamente de passar para chegar ao porto de Santos.
Atuando nas áreas mais antigas, onde a decadência da monocultura do café não demorou a se manifestar, a Leopoldina Railway e a EF D. Pedro II / EF Central do Brasil cedo se viram obrigadas a encampar as ferrovias tributárias — sem fôlego para as crises cafeeiras, devido à sua baixa rentabilidade perante a empresa "principal" —, fenômeno que mais adiante também ocorreu nas áreas cafeeiras "novas", de São Paulo. Essas encampações, como é natural, viriam diluir a "pujança" de empresas que até então se beneficiavam do trabalho, investimento e despesa de ferrovias mais "fracas".
Assim, a impressão de uma rede (ou malha) ferroviária no Sudeste é bastante ilusória. Formados para o transporte de um produto único — o café —, de alto valor por peso unitário, e portanto capacitado a pagar fretes elevados, esses leques não foram criados (nem adaptados, mais tarde) para a redução de custos que permitiria, eventualmente, incentivar outras atividades econômicas através de fretes menores.
Pelo contrário, nos momentos em que tais reduções se tornavam indispensáveis (ou eram impostas por determinado governo), aplicavam-se prioritariamente em favor do café. Inversamente, quando elevações no frete se tornavam necessárias para aliviar a cobertura de juros pelo governo, os "gêneros alimentícios" — café — eram poupados, em nome do combate à carestia.
Além de oneroso, o leque ferroviário de exportação não ligava áreas consumidores e/ou industriais (praticamente inexistentes) a áreas de agricultura comercial diversificada (idem); nem regiões de produção, de alguma forma, complementares entre si. "Inquérito" (questionário do Império aos políticos das Províncias) mandado realizar nos últimos anos do segundo reinado teve como resposta que, em parte alguma, encontrava-se qualquer nesga de terra devoluta, que se pudesse entregar à colonização — o que não invalidava a observação (ainda atual) de que as ferrovias, tão logo saíam da Côrte (a capital, Rio de Janeiro), só atravessavam deserto humano e econômico.
Ao contrário dos Estados Unidos — onde chegou a ser comum a abertura de milhões de acres a corridas de colonização, em um único dia —, as ferrovias brasileiras não promoveram, de forma significativa, o loteamento das terras recebidas, ou a fixação de colonos capazes de assegurar volume de carga diversificada, em ambos os sentidos.
Eram pequenos trechos ferroviários — hoje erradicados — para contornar cachoeiras e corredeiras que interrompiam a navegação dos rios.
Numa época em que a navegação era praticamente a única forma viável de transporte de cargas no interior do país (o Brasil havia pulado a fase rodoviária), a dupla baldeação — do barco para a ferrovia, e de volta para outro barco — podia ser considerada uma solução excelente.
Foi o caso da ferrovia de Guaíra a Porto Mendes (Cia. Mate Larangeira, entre o alto e o médio Paraná); da EF Paulo Afonso (entre o médio e o baixo São Francisco); da EF Madeira-Mamoré (entre os rios Mamoré e Madeira); e da tardia EF Tocantins (corredeiras de Tucuruí, no sul do Pará).
Poucos foram os casos de ferrovia de penetração — visando o desenvolvimento econômico e/ou populacional do interior, ou de inspiração político-estratégica — e, mesmo quando ocorreram, o contorno de seus objetivos acabou permanecendo mal-definido, ou se tornou confuso antes mesmo da implantação.
O caso mais claro — e pouco notado — foi o da ligação, em linha reta, do porto de Angra dos Reis, no eixo Rio – São Paulo, ao planalto central, onde seria implantada a nova capital do Brasil.
Definido no curto período de 14 meses do "governo provisório", no início da República, foi um dos poucos projetos do "Plano da Commissão" que se chegaram a implantar — e mesmo assim, devido ao peso político de Minas Gerais, que ainda não tinha na região uma economia forte o bastante para custear a linha Angra–Catalão. A construção arrastou-se por 30 anos, entre crises e falências, à medida em que se consolidava a reunião da malha local na Rede Mineira de Viação (RMV).
Bem menos claro, de contornos extremamente embaralhados — e famoso — foi o caso da Noroeste do Brasil, a começar pelo nome (liga o Sudeste ao Centro-Oeste, na direção geral leste-oeste).
Enquanto rapidamente se declaravam caducas as duas concessões principais do Plano da Commissão para oeste — as linhas de Catalão (Goiás) a Cuiabá (Mato Grosso) e de Curitiba (Paraná) a Nioac (Mato Grosso do Sul) — e se colocava o próprio Plano numa discussão parlamentar da qual jamais encontrou a saída, curiosamente jamais caducou a concessão de Uberaba (Triângulo Mineiro) ao Coxim (Pantanal), dada ao Banco União de S. Paulo.
Foi essa concessão (Uberaba-Pantanal) que, através de uma extraordinária série de episódios veio a se transmudar na linha de Bauru (São Paulo) a Cuiabá (Mato Grosso); e em seguida — por emenda parlamentar de fim-de-ano, aprovada em bloco, sem publicação ("ajuste de detalhes do orçamento") — na linha de Bauru a Corumbá (Mato Grosso do Sul).
Também teve objetivos político-estratégicos, bem como características de ferrovia de penetração, a EF D. Pedro II / EF Central do Brasil. Além disso, foi projetada para dar início a uma rede de comunicações e transporte, na medida em que deveria ligar a Côrte (Rio de Janeiro) a Minas Gerais e às Províncias do norte (Bahia) e do Sul (São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul), além de estabelecer conexão com todo o Nordeste pela navegação do rio São Francisco.
A ligação com uma Província totalmente interior — Minas Gerais, que no século XVIII havia se constituído no entroncamento de uma rede primitiva de caminhos de circulação, graças ao mercado proporcionado pela mineração do ouro — também tornou a EFCB uma ferrovia de significado econômico além da mera exportação da monocultura cafeeira. E o Rio de Janeiro, afinal, era o principal (quase único) mercado de consumo interno e industrialização de produtos primários, à época.
A rede de que a D. Pedro II deveria tornar-se o eixo central (daí, talvez, o nome republicano Central do Brasil) parou, em direção ao Sul, na divisa do Estado do Rio — onde se pretendia baldear para a navegação em direção a São Paulo — e só no início da República se estendeu à capital paulista, adquirindo a ferrovia São Paulo – Rio, e alargando sua bitola para permitir tráfego direto.
Daí por diante, o Tronco Sul (velho) dependeu da conjugação da EF São Paulo e Rio Grande com a EF Sorocabana e com a VF do Rio Grande do Sul — todas em bitola métrica até hoje.
Em direção ao norte, só a muito custo os mineiros conseguiram extrair as verbas que permitissem o prolongamento da EF Central do Brasil — também em bitola métrica — e foi necessário esperar que submarinos alemães colocassem em xeque a navegação litorânea, durante a II Guerra Mundial, para que afinal se estabelecesse a ligação férrea interior entre o Rio de Janeiro e a Bahia (VFF Leste Brasileiro).
Excetuando Minas Gerais — cujos interesses ultrapassavam a mera exportação cafeeira — e os objetivos político-estratégicos associados à EF Central do Brasil, o primeiro projeto claramente voltado para a formação de uma rede de comunicação e transporte internos foi o do Rio Grande do Sul.
Apesar do desenvolvimento econômico iniciado pela colonização, desde meados do século XIX, e da industrialização que fez do Rio Grande do Sul um agente importante na defesa do mercado interno já no início da República, a forte presença militar — com longa experiência de logística nas lutas de fronteira — foi fundamental, tanto na elaboração de um projeto explícito de rede ferroviária pelo engenheiro Ewbank da Câmara, quanto na posterior manutenção e desenvolvimento desse projeto, através da nacionalização das linhas no Estado, formando a Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
Já foi comum falar-se em rede ferroviária da Bahia, do "Nordeste" (em torno do Pernambuco), e do Ceará; mas mesmo com muito otimismo dificilmente se pode ver uma rede nordestina — exceto, talvez, como rede furada — apesar de o desenho final ser de fácil percepção, em qualquer mapa, e ter constado, aliás, dos principais planos ferroviários.
Ao contrário de Minas Gerais e do Rio Grande, o Nordeste perdeu força política rapidamente, com a República, reduzindo o Pernambuco e a Bahia a aliados secundários no jogo do poder. Além disso, o Nordeste nunca chegou a se unir em defesa de interesses comuns — jogados uns contra os outros, os Estados da região permaneceram balcanizados durante toda a primeira República — e várias das poucas interligações existentes hoje só se completaram durante o governo do paraibano Epitácio Pessoa, nos governos Vargas (ministro José Américo de Almeida), ou nos governos militares de 1964-1985.
Ferrovias de exportação:
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