Os "planos ferroviários"
Ferrovias e planos de viação
Flavio R. Cavalcanti - Jan. 2012
Serão reunidos nesta seção, não só as propostas de viação estritamente "ferroviárias", nem só as propostas formalmente consideradas "planos", como também propostas e decisões de estruturação viária de um "espaço nacional" em contraposição ao "arquipélago" de regiões econômicas fracamente conectadas pela navegação costeira, herança de antigas colônias litorâneas mais ligadas a Lisboa do que entre si.
Várias dessas propostas, e até decisões algumas mais antigas, ainda referentes a "estradas reais" ou à navegação fluvial, canais, eclusas ajudam a compreender os objetivos e estruturas subjacentes aos planos de viação preponderantemente ferroviários.
Este levantamento começou por volta de 2003, focando os planos preponderantemente ferroviários; e só mais recentemente começou a ser integrado em um levantamento abrangente de propostas e decisões de desenvolvimento do mercado interno (incluindo manufaturas, "artes", depois "industrialização") e de uma rede de circulação interna com frequência confundidos com aspectos "militaristas", "territorialistas", de um pensamento "geopolítico" posterior como requisitos há muito tempo identificados para a construção social da "nacionalidade" e de uma base econômica minimamente não "dependente", indispensável à sua sobrevivência. Por isso, algumas propostas mais antigas de viação ainda não estão incluídas [Jan. 2012].
1835: Plano Vasconcelos - Normalmente citado como "Lei Feijó" ou "Decreto Feijó", e só raramente como "Plano Feijó", nem por isso deixa de conter um "plano" inicial de viação, capaz de dar início à estruturação de um "espaço nacional". Na verdade, foi proposto por três parlamentares de Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e aprovado em tempo recorde pelo Parlamento. Dias depois, Feijó assumiu a Regência e sancionou ["decretou"] a lei. Realizou-se, em parte, pela Estrada de Ferro D. Pedro II; mais tarde também pela Estrada de Ferro São Paulo e Rio (adquirida pela EFCB); pela Estrada de Ferro Sorocabana; pela Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande; e pela VFFLB.
1838: Plano Rebelo - Com três "estradas reais" ao invés de ferrovias , dava desenvolvimento mais completo e detalhado ao projeto atribuído a Feijó. Aquelas ligações se estenderiam da Bahia até Belém do Pará; e a oeste de Minas para as cidades de Goiás, Cuiabá e Mato Grosso. Ainda sem informações sobre o contexto ou eventual aprovação [Jan. 2012].
1859: Cristiano Ottoni - Não indicou traçados precisos, nem foi batizado de "plano"; e de um modo geral ofereceu mais critérios para decisão do que soluções prontas.
1869: Plano Morais - Essencialmente um plano de vias navegáveis. Definia os principais rios então considerados navegáveis ou passíveis de se tornarem navegáveis, visando formar uma rede de circulação interior. Marca o significado das ferrovias que deveriam ligar o Recife, Bahia e Rio de Janeiro ao rio São Francisco; dos trabalhos de exploração do rio São Francisco e do rio das Velhas; e de alguns projetos de caráter "provisório", como a Estrada de Ferro Paulo Afonso; o projeto (não realizado) de uma ferrovia e uma província no oeste da Bahia; a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; a Estrada de Ferro Tocantins etc.
1871: Carta itinerária - Não se chamava "plano", o que talvez explique por que não é citado pela bibliografia tradicional sobre a história das ferrovias. A única exceção é Nascimento Brito; que, no entanto, afirma não ter encontrado qualquer sinal do "plano" a ser elaborado pela comissão. A lei foi aprovada e colocada em prática. Além do levantamento cartográfico e consequente definição de uma rede completa de ferrovias incluía, desde logo, o prolongamento das ferrovias já decretadas, do Recife, Bahia e Rio de Janeiro ao rio São Francisco; a Estrada de Ferro Paulo Afonso; a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; o prolongamento da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí na direção de Cuiabá; e a rede de ferrovias "estratégicas" do Rio Grande do Sul, tratadas em outra lei da mesma época. O levantamento geodésico foi interrompido quando os Conservadores substituíram os Liberais; e retomado quando os Liberais voltaram ao poder. Serviu de base para o Plano Bicalho e, mais tarde, para o Plano da Comissão.
1874: Plano Rebouças - Foi o mais "arrojado" de todos os planos viários propostos na época do Império. Ao contrário dos demais, não se fixava em detalhes do terreno geográfico pouco conhecido, exceto em linhas gerais , mas diretamente no terreno social, político e econômico: a divisão da terra, como fator indispensável à colonização em massa do interior e ao desenvolvimento industrial das cidades. Antecipava em décadas, portanto, a "marcha para oeste" e a produção agrícola em massa, porém segundo o exemplo concreto dos Estados Unidos, fundado na pequena propriedade rural e no acesso irrestrito à propriedade da terra. Nunca teve caráter oficial; quando D. Pedro II mencionou o "Cadastro da Terra" em sua mensagem anual ao Parlamento [1889], foi rapidamente destronado.
1881: Plano Bicalho - Elaborado pelo engenheiro Honório Bicalho, chefe da Diretoria de Obras Públicas, por incumbência oficial do ministro (Liberal). Seria apenas uma etapa momentânea, bastante modesta no desenvolvimento do "plano" previsto da Carta Itinerária: recuperá-la dos arquivos onde tinha sido enterrada e recolocá-la em execução concreta.
1882: Plano Bulhões - Elaborado por uma comissão A.
de Oliveira Bulhões, Firmo José de Melo e Jorge Rademaker
Grünewald do I Congresso Ferroviário Brasileiro, organizado
no Rio de Janeiro pelo Clube de Engenharia, e oferecido ao governo como contribuição. Extremamente conciso, aproveita ao máximo os rios considerados navegáveis; ligaria Cuiabá e Goiás ao Rio de Janeiro através de Minas Gerais; e centralizaria o sistema viário interior nas proximidades do planalto central.
1886: Plano Rodrigo Silva - Elaborado pela equipe do ministro Antônio da Silva Prado, após a morte do engenheiro Honório Bicalho, chefe da Diretoria de Obras Públicas. Argumentando com a falta de recursos e com o desconhecimento da geografia, propunha que nenhuma nova ferrovia fosse concedida, até que se concluísse o levantamento de todo território nacional exceto alguns prolongamentos das ferrovias ligadas a São Paulo que, teoricamente, atenderiam a todas as necessidades mais urgentes do país, a curto prazo e a um baixo custo. Foi aprovado discretamente, dois anos depois, e de fato vigorou ("oficiosamente") até o final da República velha. Raramente citado pela bibliografia ferroviária tradicional, durante quase 90 anos.
1890: Plano da Comissão - Elaborado por uma comissão de engenheiros nomeado pelo "Governo Provisório" (a "Ditadura"), nos primeiros 14 meses da República. Consta [a conferir, Jan. 2012] que a República teria cancelado imediatamente a batelada de concessões ferroviárias e provavelmente também a de dezenas de milhões de hectares de terras, tudo isso com garantias de juros onde se havia aninhado o "Plano Silva", na onda da "grita indenizista" que sucedeu à Abolição. O "Plano da Comissão" retoma o planejamento iniciado com a "Carta Itinerária". Apenas seis anos depois, com a "política dos governadores" e o aperto monetário "darwinista" de Joaquim Murtinho, quase todas as concessões já tinham sido canceladas, a maioria das ferrovias falidas, e o "Plano da Comissão" recolhido ao Congresso para nova discussão, de onde nunca mais saiu, até o final da República velha.
Cerca de trinta anos após o desmantelamento do "Plano da Comissão" e a instituição da "política dos governadores", a República velha dava sinais crescentes de esgotamento, com novos questionamentos em todos os aspectos e não deixa de chamar atenção o surgimento de nada menos que três planos ferroviários [houve pelo menos mais um de Schnoor , rodoviário , curiosamente, com ênfase no planalto central], acompanhados de uma produção invulgar de estatísticas e mapas ferroviários, divulgados em duas publicações uma contrária à privatização da EFCB (Max Vasconcelos); outra da presumível fonte de ameaça (ministro Victor Konder).