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Estrada de Ferro do Corcovado
Devolução pela “Light” em 1970

Trem do Corcovado
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O estado da Estrada de Ferro do Corcovado — locomotivas, trilhos, cremalheiras — era o pior possível, em 7 Jan. 1970, quando terminava o prazo da concessão à “Light”.

Às vésperas da data prevista para a devolução, “os trens já se encontravam em péssimas condições, após seis décadas de funcionamento, desde 1910. Quase todos estavam parados, por falta de peças ou simplesmente porque estavam velhos demais [Semenovitch p. 62].

Quase todos” — em uma frota de quatro trens — só pode ser “três”. Ao que tudo indica, um trem era mantido em condições de funcionamento, para caracterizar serviço em atividade.

Faltando pouco para a entrega da ferrovia, seu administrador conseguiu da “Light” uma verba para colocar todas as locomotivas em condições — “para que os trens fossem entregues funcionando, mesmo que precariamente, o que foi realizado em pouco mais de 20 dias [Semenovitch p. 62].

Tão breve quanto o trabalho de “recuperação” das locomotivas sexagenárias, deve ter sido seu prazo de validade. Talvez durasse alguns dias, até 7 Jan. 1970. Mas o governo não aceitou receber a ferrovia de forma tão apressada. É possível que tenha determinado um inventário, por exemplo.

Somente em 19 Mar. 1970 foi feito o “Termo de Recebimento e Entrega do Acervo e Pessoal da Estrada de Ferro do Corcovado”, entre a “Light”, o governo e a SEIPN*.

“Nessa ocasião, em virtude de seu precário estado, velhos e gastos, os trens estavam novamente parados” [Semenovitch p. 62-63].

Só após um mês, e com muito esforço, a ferrovia voltaria a funcionar — com um único trem, de hora em hora.

“Comecei a trabalhar na Estrada de Ferro do Corcovado em 19 Abr. 1970 — contou-me um dia o coronel Everardo de Simas Kelly. — Era domingo e, depois de muito trabalho e grande luta, um dos trens estava na estação pronto para funcionar. (…) Às 10h00 subiu o trem, com os convidados, entre eles o dr. José Flavio Pécora, representando o sr. Ministro da Fazenda, dr. Antônio Delfim Netto” [Semenovitch p. 63].

“Era sucata e conseguimos fazê-la funcionar. O trabalho era artesanal, não havia linha de fabricação no Brasil, não se podia importar. Fui uma vez a São Paulo visitar várias indústrias, para ver se conseguia encontrar roldanas, carreteis e fitas para a caixa de resistência das antigas máquinas. O material fora fabricado na Suíça, mais de 60 anos antes, tornava-se necessário confeccionar aqui mesmo e não dispúnhamos das fórmulas de composição das ligas metálicas. Tivemos então de fazer análises qualitativas e quantitativas para encomendar a fabricação” [Semenovitch p. 63-64].

Naquele momento, existiam 3 paradas entre Cosme Velho e o Silvestre, para atender aos moradores de baixo poder aquisitivo, conhecidos do pessoal da ferrovia, e tradicionalmente transportados de graça. A primeira e a segunda receberam nomes de antigos moradores: Dr. Ravache e Dª Lia. A terceira foi batizada com o nome da recém falecida esposa do coronel, Nerita Kelly, pela CEIPN* e funcionários [Semenovitch p. 64-65].

Município, impasse, e antecipação para depois

Em tom bem mais “oficioso”, — quase de “press release” da antiga Light, — o livro da Memória da Eletricidade pouco acrescenta.

No Capítulo III, sob o vistoso título “Light: o fim de uma era”, fala-se de esforços para atrair visitantes e para torná-la rentável, infelizmente baldados por várias dificuldades.

O sucateamento da ferrovia e dos trens sexagenários surge como uma “constatação”, quase como descoberta imprevista, às vésperas da devolução:

“Depois de seis décadas de funcionamento contínuo, no final de 1969 ficou constatado que os trens se encontravam em péssimas condições, com quase todos os carros [sic] parados por falta de peças ou por estarem velhos demais. Apesar da comprovação do mau estado de conservação do material rodante, do material fixo e, principalmente, da rede elétrica, a Light não queria mais arcar com despesas, tendo em vista a proximidade do retorno da ferrovia à administração do governo federal” [Memória da Eletricidade p. 84].

O texto só carrega nas tintas, descrevendo uma sucata lúgubre, em tom geral de desleixo, ainda no mesmo Capítulo III, porém já sob o título “Novos tempos: conduzida pela União”:

“Depois de 86 anos de funcionamento ininterrupto [sic], do vapor à eletricidade, a Estrada de Ferro do Corcovado, em precárias condições, pela primeira vez [sic] permaneceu fechada. As quatro máquinas continuavam paradas, todo o material rodante e fixo se encontrava em avançado estado de deterioração, os funcionários da estrada não possuíam meios financeiros nem materiais para a recuperação e a rede elétrica necessitava de ajustes e consertos. Dizia-se, na época, que as máquinas podiam até subir, mas o problema seria descer, pois os freios provavelmente não funcionariam. O Hotel das Paineiras, sem nenhuma manutenção havia muito tempo, estava também totalmente esquecido” [Memória da Eletricidade p. 85].

Porém, desenha-se com alguma nitidez o impasse havido na hora da devolução da ferrovia, e a responsabilidade pela decisão de paralisá-la na data prevista:

“Terminando o prazo de concessão da estrada de ferro, em 7 de Janeiro de 1970, a Light deixou de operá-la. Não havendo interesse na manutenção do serviço por parte daquela empresa, de qualquer outra ou do governo federal, criou-se um impasse e o tráfego da ferrovia foi interrompido até que a questão pudesse ser solucionada. Dois meses depois, a Estrada de Ferro do Corcovado foi transferida para a União” [Memória da Eletricidade p. 84].

A cláusula de reversão da ferrovia do Corcovado ao município do Rio de Janeiro — comum em textos mais antigos — comparece apenas de passagem, e em outro contexto, um pouco mais adiante, onde se fala da encomenda de novos trens:

“havia neste tempo a intenção de se fazer o repasse da estrada de ferro para a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S/A (Riotur), o que de fato nunca aconteceu” [Memória da Eletricidade p. 87-88].

Também Semenovitch, só mais adiante, a propósito de um dilema federal entre erradicar ou reconstruir a ferrovia, menciona o governo da Guanabara (ex-Distrito Federal), que naquela época talvez respondesse por antigas atribuições municipais:

“(…) o dilema de desativar e extinguir a EFC — o que foi sugerido pelo governador da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, que se recusou a ficar com a estrada, — ou promover imediatamente sua reconstrução e modernização (…)” [Semenovitch p. 66-67].

Além dessas lacunas e imprecisões, o livro da Memória da Eletricidade acrescenta um trecho aparentemente confuso, que talvez seja indício de mais algumas lacunas:

“Apesar das concessões dos serviços de transportes públicos terminarem em 1964, somente em 7 de Janeiro de 1970 a Light fez um acordo com o governo antecipando [sic] o fim de sua concessão de bondes. Tal acordo, entretanto, não incluía a Estrada de Ferro do Corcovado, que continuou sendo operada pela empresa até a data inicialmente acordada” [sic] [Memória da Eletricidade p. 80].

Este embaralhamento de diferentes concessões e impasses — bondes, ferrovia, e a mais crucial àquela altura, a de eletricidade — leva a oceanos sem fim.

Ao Carnaval de 1954, por exemplo, quando foi lançada a marchinha “Vagalume”, de Vítor Simon e Fernando Martins, refletindo sucateamentos de longa data:

“Rio de Janeiro
Cidade que nos seduz
De dia falta água
De noite falta luz”.

E, também, “Acende a vela”, de João de Barro (Braguinha):

“Acenda a vela, Iaiá
Acende a vela
Que a Light cortou a luz
No escuro eu não vejo aquela
Carinha que me seduz.

Ó seu inglês da Light
A coisa não vai all right
Se com uísque não vai não
Bota cachaça no ribeirão”.


(*) SEIPN [Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, órgão do Ministério da Fazenda], depois transformada em CEIPN [Coordenadoria]. Administrava empresas estatizadas por alguma eventualidade, sem que houvesse interesse estratégico, econômico ou social, para serem geridas pelo Estado (União).


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• Fases de pintura das locomotivas English Electric EFSJ / RFFSA - 2 Mai. 2017

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