EFMM - Estrada de Ferro Madeira Mamoré
Visita à EF Madeira-Mamoré
José Francisco Pavelec
Centro-Oeste n°
73 – 1° Dez. 1992
Após acomodação no hotel, em Porto Velho (RO), tomei o ônibus circular,
indo até as instalações da EF Madeira-Mamoré, na parte central da
cidade, junto ao Ministério da Marinha — próximo ao porto da cidade,
de onde saem os barcos para Manaus (AM) e outras cidades.
A Estação Ferroviária de Porto Velho, em estado original, encontra-se
numa praça ou esplanada, à margem do rio Madeira.
Observando as locomotivas, guindastes, guincho etc., fui recepcionado
pelo vigilante do local, que me informou estar atento, pois em dias
anteriores haviam roubado os tubos de bronze que faziam parte da
loco a vapor n° 50 — a única em funcionamento —, uma Baldwin 4-6-2
muito bonita, impecável, vinda de Tubarão (SC).
Muita limpeza externa, estavam capinando o local. O general Souza
informou que 40 adidos militares de diversos países fariam visita
às instalações em Ago/18, e o 5° Batalhão de Engenharia e Construção
do Exército (5° BEC) estava colaborando nos trabalhos.
Durante a visita, a locomotiva a vapor seria movimentada até o
portão, ida e volta, a cerca de 300 metros.
Passando o portão, observei que houve invasão de moradores, com
os barracos chegando até a 2 metros da via permanente, com absoluta
falta de segurança. Soube que, por duas vezes, prefeitos anteriores
conseguiram desalojar os invasores, dando-lhes outro local para
residir, e em pouco tempo estavam de volta.
Esplanada
No dia seguinte, sábado, Ago/8, passei quase todo o tempo no pátio
da EFMM e visita ao Museu do Trem.
Dirigi-me à Rotunda, onde encontrei um funcionário da empresa Brasília,
do norte do Paraná. Estava cavando cerca de 40 centímetros, no interior
daquele depósito de locomotivas, a fim de novamente deixar visíveis
os trilhos, que haviam sido sepultados.
Passei sobre o asfalto que sepultou o Girador de locomotivas —
local atualmente chamado de "Sambódromo" — e dirigi-me aos outros
2 depósitos, usados também como mecânica e oficina, com tornos,
elevadores, roldanas etc.
Cerca de 100 metros adiante, a antiga Casa de Força também encontra-se
em estado lastimável, arrombado, sujo, vidros quebrados etc.
Junto aos depósitos, locomotiva a vapor 2-8-0, sem tênder, verdadeira
sucata, com a inscrição "Mal. Rondon".
Cerca de 100 metros adiante, em direção ao portão de saída para Guajará
Mirim (RO), outras 2 locomotivas a vapor, em estado de sucata: — Uma 2-6-0
com tênder, inscrições "EFMM" e "9 de Julho"; e uma outra sem tênder,
n° 16, tomada pelo mato.
Mais próximo ao portão, um vagão gôndola com os truques intactos, mas
também sem cuidados.
À direita da linha, praticamente jogados, no pátio, 6 vagões —
somente a casca, sem condições de aproveitamento — , e também um vagão
tanque.
Voltando para a Estação Ferroviária de Porto Velho, junto à Rua dos Barcos,
alguns rodeiros de locomotivas em exposição no jardim, com boa aparência,
com placas explicativas.
A Estação abriga a administração do Museu do Trem, e numa das salas é
feita a venda de peças de artesanato em geral, porém sem nada — chaveiros,
ou outra coisa — que lembre a EFMM.
Logo após a Estação, o início da linha, com diversos carros de passageiros.
O primeiro, sem número, com varanda. O segundo, escrito "EFMM".
Em seguida, uma automotriz com o emblema circular "IRFA — Estados Unidos
do Brasil". Adiante, outra automotriz, 2 carros e uma gôndola.
Na linha principal, diante da Estação, a belíssima loco 4-6-2 Baldwin,
n° 50. Em outra linha, que passa junto aos galpões — num deles, a parte
operacional da EFMM; no outro, o Museu do Trem —, a locomotiva a vapor
n° 15, Mikado 2-8-2, em bom estado; e a locomotiva n° 18, também 2-8-2,
separada do tênder por motivo de restauração na cabine e parte da caldeira.
No primeiro galpão, uma litorina muito antiga, a primeira a circular
na EF Madeira-Mamoré.
Na parte externa, um imponente guincho ferroviário a vapor, "G-2 EFMM",
aguardando melhores cuidados. Encontra-se junto a diversas peças em estado
de sucata.
Cerca de 50 metros adiante, 3 vagões prancha pequenos, com peças ferroviárias
em estado de sucata.
Continuando na direção oposta a Guajará Mirim, após quase 350 metros,
estacionam 1 carro de passageiros, 1 tênder, 1 vagão de carga e 1 gaiola,
em completo abandono, quase escondidos.
Museu
No Museu do Trem, a recepcionista Venina Plácido atendeu-me muito bem,
e a todos os que por lá estiveram.
Disse-me que o governador Osvaldo Piana Filho deseja recuperar e adaptar
a EFMM, após receber verba do governo federal.
Três painéis apresentam o projeto do atual governo para recuperação da
ferrovia. Além disso, pude ver:
- Antiga caixa de correio;
- Relógios grandes de parede da EFMM;
- Armário com livros antigos, com leis, decretos, relatórios do Banco
do Brasil de 1808 a 1949, livro sobre a história da borracha etc.;
- Muitas fotos antigas sobre a história da EFMM;
- Editais diversos;
- Matérias de jornais da região, com diversas denúncias e outros proncunciamentos
em prol da EFMM;
- Fotos emolduradas de antigos ferroviários da EFMM, pioneiros e heróis
da construção da ferrovia;
- Bússolas antigas, telefones, balanças de precisão para pesagem de
ouro, manômetros, placas etc.;
- Móveis e utensílios usados pelos diretores da EFMM, tais como camas
antigas, molas, apitos, eixos, ferramentas, cofres, sinos etc.;
Finalmente, o ponto alto do Museu do Trem: — A primeira locomotiva a
vapor da EFMM, uma American 4-4-0 muito bem restaurada, realmente fantástica.
Guajará Mirim
No domingo, Ago/9, embarquei no ônibus para Guajará Mirim (RO).
Conversando com o motorista, ele parou diversas vezes, para que
pudesse fotografar as pontes da EF Madeira-Mamoré — atualmente usadas
pela rodovia —, todas impecáveis, sem desgaste ou ferrugem.
Em Guajará Mirim, a Estação Ferroviária constitui o Museu da cidade,
tendo quase nada sobre a ferrovia. O destaque é a placa com a quilometragem
final da EFMM: — "366 km".
Junto à Estação, a locomotiva 4-6-0 Baldwin, n° 20, fabricada em
1909, n° de série 34.004, com farol Sunbean.
Está engatada a um carro de passageiros e um vagão prancha antigo,
carregado com peças ferroviárias em estado de sucata. Ali perto,
uma caixa d'água em estilo europeu, do tempo da construção da ferrovia.
Na praça ao fundo da Estação, sobre um pedestal de cerca de 1,5
metro, está exposta uma belíssima locomotiva a vapor Mikado 2-8-2,
n° 17, com a inscrição "Eng° Hildegardo Numes — EFMM" na cabine.
A placa indica Berliner Maschinenbau Actien-Gesellschaft, 1936,
n° 10.609, Vormla L. Schwarzkopff, Berlin. Também nesta loco está
acoplado um vagão prancha.
Está mal cuidada, com o vidro do farol quebrado. O engate havia
sido arrancado, jogado no chão.
Solicitei ao pessoal do Museu o recolhimento do engate, para que
alguém não o pegasse e o vendesse como ferro-velho.
O guardião e eu transportamos a peça até o vagão prancha em frente
à Estação de Guajará-Mirim.
Osvaldo Carvalho, funcionário aposentado da EFMM, mora em frente
à Estação.
Aproveitei para dar um rápido passeio em Guayara Miri, do lado
boliviano do rio Mamoré, que atravessei no barco a motor chamado
"Voadeira".
Porto Velho
De volta a Porto Velho, em Ago/10, visitei o bairro de Santo Antônio,
marco inicial da ferrovia, junto às corredeiras de Santo Antônio,
onde está a igreja com o mesmo nome, tombada pelo Patrimônio Histórico.
Com muita dificuldade pude localizar os trilhos da EFMM, pois a
mata já havia tomado o terreno, apenas 2 anos após a desativação
dos passeios.
Também observei uma pequena ponte sobre a ferrovia, totalmente
danificada e derrubada em cima da via permanente.
Localizei — não tenho certeza — o cemitério da Candelária. De fato,
encontrei milhares de sepulturas, algumas tomadas pela mata, e informaram-me
tratar-se do cemitério que recebeu os heróis anônimos da "Ferrovia
do Diabo". Não existe mais o hospital.
O último trem circulou na EFMM em 72/Jul/10, "descendo" de Guajará
Mirim a Porto Velho.
Em 1980, com o governador Jorge Teixeira, chegaram a ser reativados
25 km em Porto Velho, para passeios turísticos até Santo Antônio.
A última vez que o trem percorreu estes 25 km, foi em 90/Nov.
A EFMM foi administrada por João Dantas Cyrino, de 1979 a 1985;
e novamente em 1991. De 1985 a 1991, foi administrada por Dionísio
Shockness.
Conclusão
Nos 5 dias que permaneci em Porto Velho, conversei com inúmeras pessoas.
Todas querem a total reativação da EFMM.
Os mais idosos reclamam muito da situação em que se encontra o pátio
da Estação, junto ao porto fluvial: — "Aquilo é uma vergonha, à noite.
Já é conhecido como Motel ao Ar Livre".
Fui muito bem atendido por todos. Falei com diversos funcionários da
oficina de restauração da EFMM, e percebi que trabalham com amor e boa
vontade. Espero que, com a recuperação das instalações — inclusive ressuscitando
o Girador de locomotivas — , colocarão portões de acesso exclusivo para
visitantes, e vigilância.
Turistas de todo o mundo chegam regularmente para conhecer o local, e
decepcionam-se por não poderem fazer o passeio de trem.
Destaco, entre aqueles com quem conversei: — Jovens do Canadá, Estados
Unidos, e um fotógrafo profissional da França, que encontrei por 2 dias
seguidos no pátio da EFMM.
Em Ago/11, embarquei no barco Cortez VII, rumo a Manaus (AM), pelo rio
Madeira, em viagem de 4 dias.
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