Ferrovias e ferreomodelismo
Engates: modelos e protótipos (III)
Délio Araújo – Centro-Oeste DC-20 (30 Out. 1991)
Não sei se estou errado, ou se é confusão da minha parte. No DC-15 (matéria
sobre engates), é indicado que a Fig. 2 mostra um engate "europeu". O texto diz que, "na Europa, o sistema
de engate é do tipo gancho, exclusivamente para realizar a tração (Fig. 2), enquanto 2 amortecedores (topes), à
direita e à esquerda, amortecem os choques. Várias ferrovias brasileiras utilizaram este sistema, principalmente no século
passado".
Nunca vi, ao que me lembre, sequer um engate igual ao da Fig. 2, na Europa. Ao menos, em linhas principais. O engate de gancho europeu não
é o da Fig. 2, ao que penso. Vi engates iguais aos da Fig. 2 fora da Europa: Nova Zelândia, Western Australia, East African Railways
(se não me engano) e outras mais.
Na Europa, se não estou enganado (foi há muito tempo), vi engates assim na ferrovia mineira de La Robla, Espanha
(*). Mas não nos sistemas europeus de bitola 1,435 m, tais como SNCF, British Railways etc.
E o engate da Fig. 2 não tem os topes (amortecedores laterais), típicos do denominado engate europeu. O engate da Fig. 2 exerce,
ao mesmo tempo, as funções de tração e choque.
Também no Brasil, nunca vi um engate como o da Fig. 2, como afirma o artigo, embora não possa garantir que não tenha
sido usado por alguma estrada de ferro solitária.
O engate predominante no Brasil era o de link-and-pin, ou "de manilha".
Com a uniformização para o engate automático americano, várias ferrovias que partiram na frente, neste
processo, introduziram uma novidade: — A mandíbula (Fig. 5) era perfurada verticalmente, em toda sua extensão. E no centro
vertical da face interna da mandíbula, havia uma ranhura que atingia a perfuração, a meia altura.
As Fig. 3, 4, 5 e 6 mostram claramente o local da perfuração vertical, no alto da mandíbula, mas não mostram
sequer sinal da ranhura.
Pois bem: Bastava enfiar na ranhura a haste ou o anel do engate de manilha e, na perfuração, introduzir o pino do engate
de manilha (ou "boca-de-sino"). Pronto: Compatibilizavam-se vagões e locomotivas (Ver Figura acima).
Pela década de 50, uniformizaram-se os sistemas de engate, desaparecendo o engate europeu da Paulista e da SPRy (já então,
EFSJ); e desaparecendo o engate de manilha / "boca-de-sino" da Leopoldina, Mogiana e outras; bem como, desaparecendo o freio a vácuo
da VFRGS, RVPSC, CPEF, EFSJ, EFS, RMV etc.
Portanto, já temos 30 anos de uniformização de freios (ar comprimido) e engates (automático americano).
Com a uniformização, desapareceu o engate automático com perfuração e ranhura. Hoje, é peça
de museu.
Já o engate europeu era a marca registrada da Paulista e da "Inglesa" (SPRy, depois EFSJ). Também se utilizava
um artifício para acoplar engate europeu com engate automático:
Aparafusava-se, no gancho do engate europeu, um engate automático! Assim, era possível, de vez em quando, ver um vagão
da SPRy ou da CP, até mesmo em Belo Horizonte, em linhas de bitola larga da EFCB.
A uniformização de engates e freios constituiu um grande avanço das ferrovias brasileiras.
Outro avanço, imprescindível e inadiável, é a uniformização das bitolas. Nesse ponto, o que
os EUA realizaram no século passado, e o Japão
no início do atual, para o Brasil ainda é um sonho. A economicidade mercadológica do sistema ferroviário
brasileiro, em termos de ligação e integração nacional, depende da uniformização da bitola.
O Japão adotou a bitola estreita, predominante, como a que melhor correspondia à rapidez necessária para a uniformização
e a economia de recursos financeiros.
Ao querer a bitola larga, o Brasil agiu ao contrário: Escolhe o caminho mais lento e mais caro. Caminho que não confere
retorno financeiro ao alargamento geral da malha. E, se não há retorno, não é econômico, e pronto!
Assim como a eletrificação da RMV (depois, VFCO), em longos trechos, nunca foi econômica, pois nunca se pagou.
Nem o trecho original, Barra Mansa (RJ) — Augusto Pestana (MG).
Se vamos elaborar uma real análise financeira, perdemos dinheiro. A tração elétrica nesse trecho foi despesa,
e não investimento. O retorno é fator indispensável para que uma aplicação de recursos financeiros
se torne o que, em economia, se denomina "investimento". A solidez de uma empresa e o desenvolvimento de uma nação
decorrem do investimento, e não de despesas — nem de simples economias, tais como a economia representada pela diferença
entre o custo da lenha e o preço do quilowatt, no trecho Barra Mansa — Augusto Pestana.
Tipos de engate
Délio Araújo, Goiânia, GO
Há 4 tipos de engate mais utilizados nas ferrovias protótipo:
1 — Engate central automático (norte-americano).
2 — Engate europeu (gancho central e 2 topes). A corrente —- ou link —- tem um parafuso sem-fim, para ajustar a folga entre os
vagões e fazer com que os topes se toquem. A North Western RR of India era o mais extenso sistema, com uns 10 mil km, antes
da unificação.
2.1 — Engate europeu — Variante com um só tope central, sendo o gancho situado, junto com o anel, em cima do tope. Era
utilizado por poucas ferrovias, todas de leve tráfego.
3 — Engate de gancho automático. O gancho levanta-se e, ao baixar, encaixa-se na fenda do engate do outro vagão.
A locomotiva, nem sempre tinha o gancho, pois bastava o gancho do primeiro vagão. Este é o engate que, na Fig. 2
do DC-15/26, aparece erroneamente como "engate europeu".
4 — Engate de boca-de-sino, ou engate de manilha, ou engate link-and-pin. A boca-de-sino tinha uma perfuração vertical.
Um anel era introduzido na boca-de-sino e ficava preso por uma haste vertical, introduzida por cima.
Hoje em dia, a própria Europa olha com outros olhos o engate central automático (americano) e o considera superior,
o melhor de todos.
Os outros tipos são incompatíveis com trens muito pesados, talvez 4 mil toneladas ou mais.
O engate europeu também apresenta o duplo problema de ser manual em qualquer tipo de operação, e de oferecer
enorme perigo ao manobreiro, que tem de se posicionar entre um dos topes e o engate.
Espanha
(*) Nota do Autor: Estou quase certo de que me enganei ao escrever, inicialmente, que o Ferrocarril Rio Tinto usava
o engate da Fig. 2; é o Ferrocarril La Robla que tinha o tal engate central.
Ambas ferrovias são espanholas, de bitola métrica, e destinam-se principalmente ao tráfego de minérios.
As diferenças estão em que a Rio Tinto utilizava engate de manilha ou link-and-pin, e freio a vácuo, mesmo operando
trens de até ums 2 mil toneladas brutas. La Robla utilizava engate central de gancho automático (Fig. 2) e freio de ar comprimido.
Hoje, após tantos anos, não sei se estas características permanecem, nem como estão essas ferrovias espanholas.
É de se notar que a Espanha dispõe de boa quilometragem de linhas em bitola métrica. As linhas estatais nessa bitola
foram agrupadas, há anos, na empresa denominada Ferrocarriles de Via Estrecha (Feve).
Como é o
engate europeu
Marcos Ahorn
Centro-Oeste DC-20
(30 Out. 1991)
O Délio tem razão, quanto aos engates. Aquele engate com pára-choque (Fig. 2) é automático, usado
restritamente em bitola estreita. O normal, na Europa, é 2 pára-choques com superfície de encosto circular, e um
engate com parafuso no meio.
Tenho as ilustrações pedidas, em algum lugar, mas o tempo ruge.
Na RFA, o pára-choque direito tem superfície de impacto convexa, enquanto a do pára-choque esquerdo é plana.
É o padrão das ferrovias federais alemãs.
Uma alavanca gira o parafuso para dar tensão aos ganchos (Fig.). Com o parafuso apertado, os pára-choques permanecem
sob pressão, ou bem perto uns dos outros.
Nas ferrovias de bitola 0,75 e 1,0 metro que vi na Europa — o normal é o padrão internacional de 1,435 m —, não cheguei
a ver o engate que o Marcos Bertossi mencionou no DC-15. Na Alemanha, sei que foi usado porque vi em alguns livros.
O normal em bitolas de 0,75 e 1,0 m, é um pára-choque central — geralmente com superfície de impacto quadrada —, com
a tração sendo feita por correntes laterais ao pára-choque.
Adaptação do engate central automático (embaixo), com a perfuração vertical desde
o alto da mandíbula, para acoplar-se ao engate boca-de-sino (em cima). A foto foi tirada por Germano Pauli Mendes (Santos, SP)
em Monte Alegre do Sul, SP, onde a vaporosa proveniente de Amparo fazia a reversão, antes de enfrentar a serra para Socorro (ver
CO-23/4).
A locomotiva (Beyer-Peacock, fabr. 1910) e o vagão encontram-se expostos a céu aberto. A vaporosa 4-6-0,
por coincidência, também não tem frisos (flanges) nas rodas motrizes centrais. O tênder tem a inscrição
da Mogiana, enquanto a cabine tem escrito "Fumest".