"Não ande nos trilhos"
De cara com o trem dentro do túnel!
Raul Carneiro Neto
Por volta de 1985, fiz uma caminhada com uma turma da faculdade pela serra entre Curitiba e Paranaguá. Na verdade a caminhada era uma desculpa da maior parte do pessoal para tomar um banho nos rios da serra (estava um calor insuportável em Curitiba). Para mim não havia desculpa. Eu queria mesmo é ver trem (he,he). O passeio foi iniciado descendo do passageiro na estação de Marumbi, para depois, seguindo por um caminho atrás da estação, alcançar a parada de Engenheiro Lange e na seqüência a estrada que daria acesso ao rio. Uma caminhada de aproximadamente uma hora.
Mas na saída, alguém sugeriu seguirmos pela linha. Eu fui o único a discordar (também, era o único macaco-velho em termos de serra e trem), pois havia um túnel longo (+/- 400 metros), em curva e estávamos em período de safra. Uma temeridade. Além disso não havíamos nos preparado para fazer este trecho. Não havia uma mísera lanterna, rádio, horário de trens ou qualquer mínimo preceito que nos desse alguma segurança. Mas fui voto vencido e lá fomos nós pela linha. Chegando ao túnel, sugeri que ao menos esperássemos pelo próximo trem, pois desta forma seria mais seguro atravessar após a passagem da composição. Aí um “animal” (que eu não lembro quem foi) que estava no grupo, colou o ouvido no trilho e disse que o próximo trem estava longe (acho que ele assistia muito filme de bangue-bangue, surtou e pensou que virara um Apache ou coisa do tipo), ainda que estivéssemos ouvindo o barulho distante de um trem. Procurei argumentar que na serra há muitos obstáculos que causam eco e que é difícil dizer com certeza a que distância está uma composição. Novamente, fui voto vencido. Mas pelo menos consegui orientar a todos que, caso pegássemos um trem dentro do túnel, cada um deveria largar sua mochila e deitar-se à beira da linha, sem levantar a cabeça em hipótese alguma. Santas palavras...
Nos enfiamos no túnel até chegarmos a um ponto onde não se enxergava absolutamente nada. A única orientação era o flash do meu isqueiro de tempos em tempos. Aí começamos a sentir, além do ruído de nossos pés tropeçando nas pedras e nos dormentes, aquela vibração característica e ruídos muito fortes. De repente a parede da curva à nossa frente se iluminou. Havia um cargueiro com mais de sessenta vagões vazios subindo a serra, apitando e bufando os motores em ponto 8. Foi aquela zona, aquela turma de dementes arrancando as mochilas das costas e o besta que vos escreve gritando “arranca a mochila e deita na beira da linha !!!! Deita a cabeça !!!”.
Fizemos isto. Claro que eu é que acabei deitando exatamente ao lado de uma tala de junção. Com o ruído e com aqueles rodeiros que passavam a 30 cm da minha orelha, pensei que havia chegado a minha hora. Pequenos descarrilhamentos são comuns na serra e os dormentes do túnel atestavam isso... Quase me caguei de medo (e os outros também).
Passado o susto, molhados, sujos de lama, musgo e alguns com resquícios de bosta na roupa (lembrança dos banheiros dos trens de passageiros), saímos do túnel tossindo e com as pernas tremendo. Além disso eu estava meio surdo, devido ao ruído dos rodeiros na tala de junção. Depois de refeitos, retomamos a caminhada. Mas eu me vinguei, pois aqueles @#$% tiveram que me ouvir falar o dia inteiro da c@*#$ que poderia ter acontecido por pura irresponsabilidade (minha também é verdade. Mas como eu vi que iriam com ou sem mim, achei melhor acompanhar o resto do pessoal). Já contei esta história várias vezes para minha filha, pois ela racha o bico de rir ao ver o desempenho dramático do pai contando o fato e fazendo toda a mímica da coisa, inclusive com diálogos sem censura e sonoplastia do ruídos das locomotivas e do apito...
Hoje eu conto esta história aos risos, mas na hora a coisa foi bem complicada e perigosa. Foi uma lição que eu não esqueci...
|