SR-5 RFFSA - Rede Ferroviária Federal
Descendo a serra em uma avalanche
Flavio R. Cavalcanti
CO Textos nº 2 (3-Jul-1988)
Emoções fortes são o prato diário dos ferroviários que, desde abril pp., fazem a descida da serra do
Mar Curitiba-Paranaguá, PR (SR-5), nas chamadas "Senas" - composições de até 60 vagões freados
por 6 locos G22U Macosa de 1.650 HP, espanholas.
Ao dizer "freados", e não puxados, o repórter Cláudio Lachini, Gazeta Mercantil, que fez a viagem inaugural
do Sena, não esconde um estremecimento.
As 2,7 mil toneladas de farelo soja e trigo, somadas ao peso dos vagões e locomotivas, fazem 4,1 mil toneladas deslizando serra
abaixo, em rampas de até 3,3%, em curvas fechadíssimas, sobre pontes e precipícios de até 150 m!
As 6 locomotivas, com todas as rodas imobilizadas, não são suficientes para fazer parar o trem - é necessário
usar também os freios dos vagões.
Só há uma parada onde o freio-motor é suficiente para domar a composição, permitindo o retorno da pressão
dos freios a ar à plena carga, entre Véu de Noiva e Marumbi (ver IF-44), ficando parte da compsoição de 1 km
estacionada sobre a ponte de São João, de 60 metros de comprimento.
Em toda a serra, não há nenhum desvio com comprimento para estacionar completamente o Sena (o desvio não "livra
a cauda", dizem os ferroviários), obrigando os trens que sobem a esperar no pé da serra. O Sena precisa de caminho livre
para descer na média de 23,72 km/h.
O trajeto ainda é o mesmo construído por Teixeira Soares em 1885, descendo de 955 m até 5 m do nível do mar
em 110 km, através de 420 obras de arte, entre túneis, pontes e viadutos. Somente foram trocados os trilhos, agora em liga
de nióbio, com duração de 2 anos, contra os 3 meses dos anteriores (Gazeta Mercantil, 16-Abr-1988).
Inicialmente, uma locomotiva a vapor tracionava até 4 vagões. Em 1897 foram transportadas assim 20 mil t/ano nos dois sentidos.
oito Senas superam hoje esse total em um dia, somente na descida da serra do Mar.
Um fator fundamental no esquema é o raio mínimo de 71 metros, super-fechado para uma ferrovia real, provocando uma dose excepcional
de atrito (que em HO na prática quase não se percebe).
Por isso, na subida o limite máximo são 30 vagões e 3 locomotivas.
Até abril, o trem-tipo cargueiro na descida, com 4 locos, só permitia 36 vagões. isso porque todo material que desce
tem de subir novamente, e uma das locos "ficava sobrando", no dizer dois ferroviários, e tinha de ser rebocada.
O Sena, portanto, "arredonda" a conta de 2 trens de retorno.
O atrito dasw curvas é essencial para a frenagem na descida. E determina igualmente o tipo de locos (1.650 HP, rodado B-B), pois
locos com truques de 3 eixos não se inscrevem nas curvas.
Com a necessidade de caminho livre em toda descida, o número de comboios dirários foi mantido em 12 nas terças, quintas,
sábados e domingos.
Durante a safra agrícola (entressafra turística), a litorina e o trem de passageiros, com 75% dos lugares ociosos, darão
lugar, nas segundas, quartas e sextas-feiras, a mais 2 Senas e mais 2 cargueiros "normais".
Com esse esquema - um monumento à coragem e criatividade da RFFSA; e à falta de visão das autoridades - a Rede espera
abocanhar uma fatia maior da safra agrícola, aumentando em 25% a capacidade de transporte no trecho.
Com a construção da Ferroeste, logicamente, só a construção de uma nova descida poderá escoar
as safras do Paraná.
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