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Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande
Da Argentina ao Brasil por trem

Pedro Mair (1) – Tradução: Jairo A. O. Mello
Centro-Oeste DC-7 – 25 Out. 1990

Estação Frederico Lacroze, 11 de maio de 1959, 10 horas. Parte o trem com destino a Posadas com baldeação para Corrientes e também para Assunção do Paraguai. Há poucos dias, foi restabelecido o serviço ferroviário entre Buenos Aires e as províncias mesopotâmicas, interrompido durante várias semanas por uma inundação provocada pelos rios Paraná e Uruguai.

O trem das 10 horas cumprirá um serviço condicional. Está formado por 16 carros: de primeira e segunda classe, dormitórios, restaurante, correio e alguns vagões de carga. Na estação há muita gente e, à medida que chega a hora da partida, é maior o movimento nas plataformas. Pontualmente, o trem se põe em marcha e lentamente sai da estação, enquanto se produzem as habituais cenas de despedida, geralmente tristes.

La Paternal, Agronomia, Devoto, o percurso que fiz tantas vezes com o "ex-bonde"(2) parece diferente, visto de um trem de longa distância. Depois de uma breve parada na estação Pereyra, começa para mim o desconhecido, pois nunca havia viajado pelo ramal do Ferro Carril Urquiza a Zarate.

Já em Zarate, o trem se detém por aproximadamente meia hora, tempo que muitos passageiros aproveitam para reabastecer-se de comestíveis nos armazéns próximos à estação. Logo o trem "baixa" ao embarcadouro do ferry-boat (3). Com alguma dificuldade, pelo ainda muito elevado nível das águas do Paraná de las Palmas, os veículos são embarcados em grupos de quatro.

A viagem no ferry foi inesquecível. Enquanto ele avançava pelos braços do Paraná e o sol se ocultava no horizonte, um conjunto folclórico (harpas, guitarras e cantores) oferecia um recital para os passageiros.

Puerto Ibicuy. Já é noite, o atracadouro está iluminado, as luzes se refletem nas águas — e existe água por todos os lados. Nos informam que, devido à altura das águas, não é possível desembarcar o trem. Assim, todos, com crianças, malas, embrulhos etc. são obrigados a descer por uma rampa e tomar o outro trem ali estacionado. Há um cartaz igual aos que indicam os nomes das estações, e que diz: Província de Entre Rios.

Terminada a operação de transbordo, continua a viagem. Poucos minutos e estamos em Holt. Na penumbra, se distinguem as oficinas e inumeráveis locomotivas a vapor.

O trem avança mais devagar. Em ambos os lados da linha ainda existe água. Os passageiros já jantaram, é bastante tarde, mas ainda existe muita animação nos carros, especialmente nos de segunda. Se conversa em voz alta, alguns jogam truco, e um passageiro porta um reluzente e bonito bandoneon, que toca com maestria. Também roda o mate e o vinho tinto.

A maioria dos carros tem de um lado bancos de madeira para 4 pessoas e, do outro lado, há assentos para um só. Se dorme como se pode, sentado ou deitado sobre ou debaixo dos bancos. Apenas amanhece, todos, queiram ou não, se despertam. Muitos, com sua chaleira, se dirigem ao carro restaurante, para buscar água quente para o mate.

O homem do bandoneon, que havia dormido com ele por sobre as pernas, também acorda e imediatamente continua tocando, despertando aos poucos os que ainda estão dormindo.

O trem ainda percorre a Província de Entre Rios, agora tracionado por uma moderna locomotiva Henschel. Ficaram para trás Basabilbaso, Palmar de Colon e também a cidade de Concordia, em parte muito danificada pela enchente do rio Uruguai. Chajari, Mocoreta e já estamos na Província de Corrientes. A viagem continua sem maiores alternativas e às 22 horas chego ao destino: Paso de los Libres. Depois de 36 horas de viagem, entretanto, o trem continua sua viagem pela Província de Corrientes, até a de Misiones.

Em Uruguaiana, apesar de estar a poucos quilômetros da Argentina, tudo é diferente. Também a ferrovia é distinta — como em todo o sul do Brasil, é de bitola estreita. A estação da VFRGS (Viação Férrea do Rio Grande do Sul) é relativamente moderna. O material rodante é antigo, mas muito bem conservado. Existe pouco tráfego ferroviário pela ponte internacional, somente carga. Existem três trens semanais diretos a São Paulo, com um só transbordo. Começa para mim uma viagem, uma aventura inesquecível pelos "pagos" desconhecidos. Vão ficando para trás povoados e cidades como Alegrete, Cacequi, e o trem chega a Santa Maria, uma cidade-entroncamento e centro ferroviário importante.

Continua a viagem, agora em direção ao norte. Cada vez menos campos e pradarias, mas muitos montes. Cruz Alta, Carazinho, Passo Fundo, Erechim, todas cidades importantes. As ondulações do terreno, cochilhas, se converteram em pequenas serras cobertas de espessa vegetação. Marcelino Ramos, a última estação no Rio Grande do Sul. Aqui se baldeia a outro trem que pertence à RVPSC (Rede de Viação Paraná Santa Catarina). Esta companhia tem nos Estados do Paraná e Santa Catarina uma rede de 2.666 km. A viagem é cada vez mais impressionante, durante vários quilômetros o trem margeia o rio do Peixe. Só se vê o rio e a vegetação (sertão, ou selva). As curvas na via são incontáveis.

Existem algumas localidades importantes, como Joaçaba, Videira e Caçador. Em todas as estações, os habitantes oferecem frutas, pastéis — uma espécie de "empanaditas" recheadas com carne e palmitos —, tortas, pescado frito etc. e, logicamente, também o clássico cafezinho.

O trem é tracionado por uma locomotiva a vapor alimentada com lenha ou madeira dura, que abunda nesta zona. Entre o pessoal que conduz o trem, há um técnico capacitado para efetuar reparos de emergência durante a viagem. Porto União, última estação no Estado de Santa Catarina, ponte sobre o rio Iguaçu a aproximadamente 350 km das cataratas. Já percorremos 150 km no Estado do Paraná, passando, entre outras, pelas localidades de Irati (famosa por sua fábrica de fósforos), Teixeira Soares, e já estamos em Ponta Grossa. Daqui sai um ramal em construção para Apucarana que, com o ramal para Curitiba e Paranaguá, será um dos corredores para exportação que se projeta no Brasil. Sem inconvenientes, se continua a viagem ate Itararé, no limite com o Estado de São Paulo.

Aqui, uma locomotiva diesel-elétrica da EFS (Estrada de Ferro Sorocabana) toma conta do comboio. A EFS tem uma rede de 2.200 km de linhas, em sua maioria eletrificadas. à medida que nos acercamos de São Paulo, o trânsito ferroviário é cada vez mais intenso; trens de carga e de passageiros, pintados de verde, circulam com muita frequência.

18 de maio de 1959, o trem chega à estação Júlio Prestes, na cidade de São Paulo, depois de 76 horas de viagem, ou sejam, 4 dias e 3 noites. Uma viagem realmente interessante e inesquecível.


Notas

(1) – Originalmente publicado no Boletin Informativo de la Asociacion de Ferrocarriles Prototipos de la Republica Argentina (Afeproa), chamado Noti-Riel, n° 61 e 62, respectivamente de maio e junho de 1981.

(2) – Em 1886, os irmãos Julio e Fredrico Lacroze fundaram o Tranvia Rural de la Província de Buenos Aires, que na realidade era uma ferrovia com tração a sangue. Detinha vários ramais e foram as linhas mais extensas com essa tração no mundo. Em 1891 foi autorizado o uso de locomotivas a vapor. A parte urbana tomou o nome de Tranvia Rural e o restante ficou com a denominação de Ferrocarril Central de Buenos Aires Ltda. Em 1928, criaram o Ferrocarril Terminal Central de Buenos Aires, na realidade uma linha de metropolitano, que unia o terminal ferroviário de Chacarita (Estacion Federico Lacroze) ao Correio Central, atualmente, a linha B dos Subterrâneos de Buenos Aires. Com a nacionalização no final da década de 40, o Ferrocarril Central tomou o nome de General Urquiza, sendo o único com a bitola de 1,435 m, que era a original do sistema de bondes na Argentina (NT).

(3) – Atualmente a linha é direta, tendo sido inaugurada a última ponte recentemente.


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