Estrada de Ferro Goiás, obrigada a construir longos trechos ferroviários em Minas Gerais, de 1907 a 1920
EF Goiás obrigada a construir em Minas

EF Goiás - 1907-1920
Obrigação de construir em Minas

Flavio R. Cavalcanti - 31 Jul. 2018

Concluiu-se, em 1904, a última batalha da prolongada guerra pela “ferrovia para Cuiabá”, — ou (quando convinha) “ferrovia para o Mato Grosso”.

É nesse contexto que o traçado da Estrada de Ferro de Goiás sofre nova alteração, pelo Decreto nº 6.438 [27 Mar. 1907] — agora, com início na cidade de Formiga, onde os trilhos da EFOM haviam estacionado desde 1905, “ou outro [ponto] mais conveniente da Estrada de Ferro Oeste de Minas” — até Leopoldina, à margem do rio Araguaia.

O sentido geral da ferrovia, agora francamente SE-NW, passaria pela cidade de Goiás [MIVOP, 1907] e, provavelmente, seguiria o vale do rio Vermelho para atingir a colônia de Santa Leopoldina (próxima a Jurupensém).

Foi acrescentado um ramal, de sentido leste-oeste, de algum ponto dessa linha tronco para Uberaba. Trata-se da Linha de Uberaba, na parte sul do Triângulo Mineiro, paralela à divisa com o estado de São Paulo. Esta linha poderia contrabalançar a penetração paulista (Mogiana) no Triângulo Mineiro — o que se enquadra na interpretação corrente, na época, de uma “compensação negociada” na guerra pela “ferrovia para Cuiabá[que não tardaria a ser transformada em “ferrovia para o Mato Grosso” dirigindo-se para Corumbá].

A EF Goiás mantinha a linha de Araguari a Catalão [não citada: MIVOP, 1907].

Enfim, mais uma vez, foi mantida a opção de um ramal — sem prazo, nem garantia de juros — para algum ponto navegável do alto Tocantins. Mera “possibilidade”, em aberto.

Nesta segunda alteração de traçado, — onde Minas se teria compensado de uma “vitória geopolítica” paulista, — fica bem claro quem paga a conta. A EF Goiás indenizaria a EFOM pelos 30 km de ferrovia que esta havia construído nos últimos 2 anos, desde quando seus trilhos tinham chegado a Formiga, em 1905. Indenizaria, também, o governo pelos estudos e levantamentos, já realizados, do traçado de Formiga em diante — indicação de que o governo teria pago tais levantamentos à EF Oeste de Minas, ou a firmas de engenharia contratadas pelo próprio governo. Nada devendo o governo à EFOM por tais levantamentos, ela receberia da EF Goiás locomotivas etc., pelos 30 km construídos nos últimos 2 anos.

Algumas coisas ficam nebulosas [primeira fonte, rascunho inicial: MIVOP, 1907]. Na mudança anterior, tudo foi gracioso? Os levantamentos feitos pela Mogiana, de Araguari a Catalão [estudos definitivos chegaram a ser aprovados pelo governo; quando?], foram pagos pelo governo? A EFG os recebeu de presente, ou também teve de indenizar? Aliás, aqui já nem se fala mais nesse trecho de Araguari a Catalão! Nem devolução, nem repasse, nem continuação. Nada. Não ia mais ser feito, pelo novo contrato? [Obs.: Neste exato momento, mesmo ano e mesmo Relatório IVOP, a Ponte sobre o rio Paranaíba, no "Caidor"; mapa ilegível (procurar TIFF); sensação de que nem era ferroviária, nem ajudaria em nada a EFG. Pelo contrário! Tem todo aspecto de roubar sua carga e carrear para a Mogiana, em "Uberabinha"].

A lacuna é tanto mais interessante, porque não faltou papel, nem houve esquecimento, para o poder concedente e fiscalizador justificar a falta de cumprimento de contrato — pela Mogiana! — em um relatório sobre a EFG. Explica, singelamente, que, devido ao “alto preço quilométrico [da] construção do trecho de Uberaba a Araguari, não se animou a Mogiana a construir o ultimo trecho da sua concessão (Araguari - Catalão) [...] por ser este ultimo trecho ainda mais pesado do que os precedentes. Resolveu, portanto, a Companhia Mogiana estacionar em Araguari, esperando que a linha até este ultimo ponto, com sacrifício construída, se desenvolvesse”. A concessionária decidiu. Simples assim.

A partir de agora, a EFG — que esperou 14 anos pela Mogiana e 17 pela EFOM — terá 6 meses para apresentar os estudos de reconhecimento de Formiga até Leopoldina; e 2 anos para apresentar os do ramal do Tocantins — este último, vale lembrar, sem prazo para ser construído, sem garantia de juros.

Sente-se no ar que, agora, a coisa é séria.

Ora, Formiga não chegava nem perto de Goiás. Considerando uma distância de 1.018 km de Barra Mansa a Goiandira [aqui tomada como equivalente aproximado de Catalão, em distância], e de 436 km de Barra Mansa a Formiga, vale dizer que a Estrada de Ferro de Goiás deveria assumir mais da metade — 582 km, ou 57% — da ferrovia tronco de Barra Mansa a Catalão, concedida à EFOM, havia 17 anos, pelo Decreto nº 862, de 16 Out. 1890, segundo o “Plano da Comissão” (1890).

Somando: 582 km da EFOM até Catalão; 508 km de Catalão até Goiás; 800 de Catalão ao Tocantins. Total: 1.890 — a menos que a EF Goiás não tivesse de construir, também, 90 km de Araguari a Catalão, caso em que sua gloriosa malha subiria a 1.980 km.

Uma potência ferroviária, — se conseguisse construir.

A simbólica indenização que a EF Goiás — 17 anos sem faturar, esperando Mogiana, EFOM — pagaria a esta última, pelos 30 km de ferrovia construídos de Formiga em diante: “2 locomotivas do tipo «Consolidation», da fabrica Baldwin Locomotive Works, para bitola de 76 centímetros, iguais às que foram por essa fábrica fornecidas á Estrada de Ferro Oeste de Minas, em dezembro de 1889; 15 vagões plataforma, sendo 8 para bitola de um metro e 7 para a de 76 centímetros; 1.100 toneladas de trilhos de aço com os respectivos acessórios, sendo os trilhos de 25 quilos por metro corrente e o perfil e mais especificações fornecidos pela diretoria da Estrada de Ferro Oeste de Minas”.

O que era isso, para uma (futura) potência ferroviária? Uma merrequinha.

O pessoal da EFG deviam ter algum problema psíquico. Apesar da EFG ter pago pelo trecho construído pela EFOM, começaram, “imediatamente, a reconstrução do trecho de Formiga ao Arraial dos Arcos, com a extensão de 30 quilômetros, aproximadamente”. Coisa de fominha. Depois de 17 anos esperando, queriam (re)construir qualquer coisa, nem que fosse um trecho já construído, e pelo qual pagaram.

E a fome não era fraquinha, não. O contrato foi assinado em 24 de Maio, e em 31 de Dezembro “achava-se o leito pronto até Arcos, com excepção de um aterro por fechar, nas proximidades do quilômetro 24, e a ponta dos trilhos alcançava o quilômetro 19”. Não está indicado em qual mês de 1908 foi apresentado o relatório, na verdade ref. 1907. Em todo caso: “Num dos primeiros meses do corrente ano, foi entregue ao trafego esse primeiro trecho”. De acordo com o DNEF, o trecho de Formiga até Arcos, com 30 km, foi considerado pronto e aberto ao tráfego em 21 Abr. 1908 — quase um ano após a EFG pagar pelo trecho recebido “pronto”.

[DNEF: trechos regularmente abertos, ano após ano -- exceto 1914 e 1915 -- até 1918, em Ouvidor]

Depois de construir o trecho que receberam construído e pagaram, nada melhor do que refazer o que ainda não estava concluído, recomeçar o já iniciado, reestudar o já estudado — estudos já realizados, pelos quais também pagaram, claro: “Além de Arcos, embora existissem trabalhos de terraplenagem já feitos até S. Francisco, houve necessidade de abandonar o antigo traçado da Estrada de Ferro Oeste de Minas, por ficar a linha exposta a inundações. || A companhia mandou proceder a novos estudos, apresentando, em 24 de agosto, á aprovação do Governo o reconhecimento do trecho de Arcos a Soledade, á margem do rio S. Marcos, com a extensão de 528,800 quilômetros. Pelo aviso n. 331, de 3 de outubro, foram aprovados esses estudos”.

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