Ferreomodelismo e ferrovias
A iluminação em fotografia
Alberto R. Cavalcanti – Centro-Oeste dc-17 – 31-Jul-1991
Vamos fazer aqui algumas considerações sobre problemas de
iluminação na tomada de fotografias. Nada de muito profissional nem assustador.
Mas alguns raciocínios "em voz alta" para ajudar a entender tais problemas
e o que se costuma fazer para resolvê-los.
Para começar, convém lembrar que não enxergamos propriamente os objetos,
mas a luz que refletem. Fotografar — tanto quanto ver — consiste em captar
a luz refletida pelos objetos. O que nos permite distinguir um objeto
de outros, num campo visual, são os sinais luminosos que nos advertem
sobre seu contorno. A luz, e não o objeto, é a matéria-prima da fotografia.
Daí, foto... grafia.
Vamos discutir isto melhor.
Um objeto distingue-se de outro, por exemplo, pela cor. Isto é,
reflete a luz de uma forma peculiar: retém ou absorve parte da luz
e reflete o restante. E é o comprimento de onda desta porção refletida
que determina o que nós consideramos a sua cor.
Os objetos também possuem texturas diferentes. Um pedaço de madeira
e uma chapa metálica podem ser pintados exatamente da mesma cor,
mas seremos capazes de perceber a diferença do material, num relance,
porque diferentes materiais possuem diferentes texturas e essa diferença
é visualmente perceptível.
Mas o que realmente joga o principal papel em nossa percepção visual
dos objetos — e mais ainda na percepção mediada pela parafernália
fotográfica — é o jogo luz & sombra. Pois só "definimos" um objeto,
como o próprio verbo diz, sabendo onde está o seu "fim", a sua "beira".
E, em fotografia, o que melhor define o objeto é sua sombra.
"Sombra", em fotografia, não é exatamente o mesmo que na vida real.
Nesta, a sombra está fora do objeto, no chão, por exemplo. Em fotografia,
a sombra integra o objeto.
Sombra, nesse caso, é (também) a parte do objeto que não está iluminada,
ou está significativamente menos iluminada que sua parte voltada
para a principal fonte de luz.
É esse jogo de luz & sombra que nos permite recuperar, numa fotografia
— forma bidimensional de representação —, a noção
de tridimensionalidade do objeto original. E esta possibilidade
é fundamental para a "leitura" da foto.
Sem um balanceamento adequado do jogo de luz & sombra, a legibilidade
da foto resulta difícil. Podemos estar diante de uma foto criativa,
artística, em que a dificuldade de leitura foi deliberadamente procurada,
para produzir um efeito expressivo. Ou, o que é infelizmente mais
comum, diante de uma foto ruim. É também o jogo de luz & sombra
que fornece o contraste da foto. E é o contraste que dá "vida" à
foto.
Nas considerações que seguem, vamos trabalhar com a hipótese de
que o interesse básico do leitor do Centro-Oeste é produzir fotos
descritivas, mais do que artísticas. A "arte", no caso, está em
obter, de uma miniatura, uma impressão de realidade. E, para tanto,
procura-se quase sempre criar um efeito de foto ao ar livre, com
luz do dia.
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A luz do dia
A luz do dia (em inglês, daylight) consiste na combinação de dois
tipos de luz. A luz do sol e a luz do céu. Em inglês, sunlight
e skylight.
A luz do sol, quando não há nuvens, produz uma iluminação direta, "dura",
com sombra bem definida. Estabelece recortes bem definidos entre áreas
iluminadas e áreas não iluminadas, entre luz & sombra. Isto acontece porque
o sol é um ponto definido.
Já a luz do céu está disseminada. Ela é o resultado da reflexão da luz
do sol nos materiais que compõem a atmosfera: moléculas de oxigênio, nitrogênio,
dióxido de carbono etc. O resultado "médio" da reflexão da luz solar por
esses materiais corresponde à nossa impressão da cor azul, variedade azul
celeste.
O céu constitui fonte secundária de luz, na composição da "luz do dia".
É a luz do céu que nos permite ver o que está na sombra — debaixo de uma
árvore frondosa ou de uma marquise, por exemplo. É também a luz do céu
que nos permite enxergar, a olho nu, detalhes situados na face de um objeto
não-voltada para o sol.
Se não houvesse atmosfera, não haveria luz do céu. E, conseqüentemente,
não seríamos capazes de ver o lado de um objeto que não estivesse voltado
para o sol. Essa é, aproximadamente, a situação por que passam os astronautas
quando estão na Lua.
A constatação dessas verdades tem importantes implicações para o fotógrafo
ferromodelista. Pois ele sempre trabalha com a hipótese de que o modelo
a fotografar representa uma realidade terrestre, e não uma realidade lunar,
onde ainda não há trens. Portanto, suas fotos devem ser trabalhadas com
um jogo de luz & sombra que reproduza as características visuais de nossa
realidade terrestre.
Em suas fotos, se elas são baseadas na hipótese do dia ensolarado, deve
haver zonas de luz e zonas de sombra, tal como ocorre na realidade. E,
para reproduzir a impressão que temos ao olhar, deve haver certa proporção
na diferença entre a quantidade de luz refletida pelas áreas de luz e
pelas áreas de sombra, pois tal relação também faz parte da nossa maneira
inconsciente de perceber o real.
Com céu limpo, a relação entre luz do sol e luz do céu é de 7 para 1.
Mas, como veremos, o filme fotográfico não suporta bem essa diferença.
Por isso, ao trabalhar com luz artificial, sob seu controle, o fotógrafo
deve perseguir relação menos "dura" entre a luz incidente nas áreas mais
iluminadas e nas "áreas de sombra". Algo como 4:1, 3:1 ou 2:1.
Outra característica do real, já inconscientemente incorporada ao olhar,
é o fato de que, de cada objeto, projeta-se apenas uma sombra. Isto ocorre
porque a luz do céu não projeta sombras. Como ela tem igual intensidade
em todas as direções, as sombras que ela projeta se anulam. Resta apenas
a sombra projetada pela luz direta do sol que é, de resto, uma luz muito
mais forte que a luz do céu e seria, por si só, suficiente para eliminar
uma sombra projetada por esta última, se existisse.
Esta é outra conseqüência importante para o fotógrafo ferromodelista.
Em seus trabalhos fotográficos, deve haver apenas uma sombra projetada
do objeto, correspondendo ao que seria a sombra projetada pela luz do
sol.
Ao fotografar sua maquete ou seus modelos, em situação indoor
(interiores), o ferromodelista precisa trabalhar com as fontes artificiais
de luz de modo a produzir representação fotográfica semelhante à obtida
em fotos da realidade, ou, melhor ainda, semelhante à nossa impressão
da realidade a olho nu.
Uma coisa é certa: um flash acoplado à câmara, mais a disseminação de
sua luz pelas paredes de um quarto, não resultam na mesma impressão da
luz solar disseminada pelo céu. Para obter este resultado é preciso muito
mais trabalho. Neste artigo, vamos nos deter em conhecer um pouco melhor
a luz do sol.
A luz do sol
A luz do sol não é igual em todas as horas do dia, em todas as estações
do ano, nem em todas as partes da Terra.
A luz do sol que chega aos objetos é filtrada pela atmosfera. Ao meio-dia,
a luz do sol cai perpendicularmente sobre a superfície terrestre (na realidade,
não é bem assim, como logo veremos; mas aceitemos a assertiva por enquanto,
para facilitar a exposição). Incidindo perpendicularmente, a luz solar
atravessa menor espessura de atmosfera, sendo, por isso, menos filtrada.
E isso afeta sua composição.
Por outro lado, de manhã bem cedo e à tardinha, a luz do sol incide obliquamente
sobre a superfície terrestre, percorrendo maior espessura atmosférica
e sendo, por isso, mais filtrada.
O resultado é que a luz do meio-dia é mais "dura" e freqüentemente resulta
em fotografias mais saturadas, como se fossem superexpostas à luz, mesmo
que tenha sido feita acurada fotometragem (veja como é difícil, fotografando
num meio-dia ensolarado tropical, obter, em preto & branco, que o asfalto
fique preto na foto). Já a luz da manhã ou da tarde é mais "mole" ou,
como preferem alguns, mais "doce".
Essa filtragem da luz solar ocorre tanto por efeito de maior ou menor
travessia do material atmosférico, quanto pela diferente composição desse
material, que varia conforme a hora do dia. Ao amanhecer, é maior a quantidade
de orvalho dissolvida nas camadas baixas da atmosfera e isso contribui
para amaciar a luz solar. À tarde, costuma haver mais poeira em suspensão,
o que constitui outra forma de filtragem e amaciamento da luz solar.
De toda forma, um e outro tipo de filtragem ajudam a "domar" a violência
tropical da luz solar. E isso é fácil de observar a olho nu. Se pegarmos
um pedaço de tábua lisa, por exemplo, e o expusermos frontalmente a diferentes
tipos de luz solar, veremos que, ao meio-dia, a riqueza de detalhes observáveis
é muito menor que na luz da manhã ou da tarde. A luz do meio-dia "come"
detalhes, texturas etc.
Outra diferença da luz solar conforme a hora do dia, diz respeito às
sombras, que, como vimos, são elemento constituinte — e não acessório
— da imagem. A luz do meio-dia não projeta sombras (logo veremos a relatividade
desta assertiva, também). As sombras ficam "escondidas" sob os objetos.
Não havendo sombra, não há definição dos objetos. E, não havendo definição,
prevalece o caos.
Ao contrário, algumas horas antes ou depois do meio-dia, a luz solar
projeta sombras definidas
e definidoras dos objetos. Conforme o objeto fotografado e o ângulo
escolhido para tomar a foto, é mesmo possível criar um "ritmo" de luz
& sombra esteticamente muito proveitoso. Isso ocorre, por exemplo, em
fachadas de prédios onde haja alguma regularidade de relevo, como paredes
de tijolo aparente. E ocorre também na visão dos trilhos da ferrovia,
atravessados a intervalos regulares por dormentes.
Em resumo, a não ser que estejam sendo procurados certos efeitos especiais,
deve-se preferir fotografar até três horas antes ou a partir de três horas
depois do meio-dia, para obter resultados mais charmosos, maior
fidelidade às diferenças de textura, melhor manejo do jogo de luz & sombra
etc. É lógico que, para fins fotográficos, deve ser desconsiderado o "horário
de verão".
Vamos agora relativizar um pouco a questão do horário. Pois, como se
sabe, nos pólos, o sol nunca se alça acima dos 23°, qualquer que seja
o horário civil. Nos pólos, o ano tem apenas um dia, cujo período diurno,
como o noturno, dura seis meses do calendário. Assim, o fenômeno do "sol
a pino" é privilégio da faixa terrestre compreendida entre os dois trópicos.
Europeus, japoneses e norte-americanos desconhecem-no.
E esta é uma questão importante. Pois todo material fotográfico existente
foi desenvolvido, em princípio, tendo como campo de teste as condições
imperantes em países situados fora da faixa tropical. Nessas regiões não
ocorre o meio-dia com ausência de sombra. Em qualquer região, a qualidade
da luz solar varia com as estações do ano. À medida que muda a estação,
muda o arco da trajetória que o sol descreve no céu, e mudam a direção
e o tamanho das sombras que sua luz projeta.
No Brasil, as condições de incidência da luz solar são bastante variáveis,
em função da latitude e da altitude. Lugares mais altos recebem luz menos
filtrada pela atmosfera. Além disso, lugares mais secos — como o sertão
nordestino e o planalto goiano, no estio — oferecem menos orvalho para
a filtragem da luz solar e, em contrapartida, oferecem mais poeira em
suspensão. Amazônia e Caatinga, embora situadas na mesma faixa de latitude,
possuem diferentes composições nas camadas baixas da atmosfera. Não se
pode tampouco desconsiderar as poluição atmosférica das grandes cidades
e das áreas industriais.
Em todos os casos, uma verdade é constante: Numa manhã de sol, logo após
um bom período chuvoso, a atmosfera é translúcida. Está limpa de poluentes
e de poeira em suspensão. E a umidade remanescente da chuva é um excelente
filtro dos excessos da luz solar: on a clear day you can see forever.
Filme vs. retina
Ainda não fomos capazes de inventar equipamentos e materiais fotográficos
que trabalhem exatamente como o olho humano. Há até materiais que enxergam
"mais" que o olho, como os filmes infra-vermelhos. Mas não há nada "igual".
A câmara fotográfica é, estruturalmente, um olho. A tampa que colocamos
à frente da objetiva funciona como a pálpebra. O diafragma, abrindo e
fechando para regular a entrada de luz, reproduz a atuação da pupila,
em sua capacidade de dilatar-se e contrair-se. E o filme cumpre o papel
da retina, sobre a qual forma-se a imagem. Como é óbvio, o filme não tem
a mesma capacidade da retina, de "esquecer" imagens recebidas para receber
outras, num virar de cabeça. Para obter novas imagens, avançamos o filme.
Cada negativo (ou diapositivo) corresponde a um olhar.
Mas essa está longe de ser a única limitação do material fotográfico.
As limitações mais importantes, do ponto de vista desta abordagem, estão
relacionadas com "latitude" e "temperatura de cor".
Vamos detalhar estes dois conceitos. "Latitude" é a capacidade de perceber
detalhes simultaneamente em áreas iluminadas e áreas sombreadas. Estando
ao ar livre e submetidos a luz solar direta, somos capazes de identificar
um objeto ou uma pessoa situada numa área de sombra. O filme não é capaz
da mesma proeza.
Ao fotografar, temos que escolher. Ou graduamos o equipamento (controles
de abertura do diafragma e velocidade de obturação) para a situação de
luz, ou para a de sombra. Podemos, é certo, tentar uma graduação intermediária.
Mas, neste caso, o mais provável é que não tenhamos bom resultado fotográfico,
nem para os objetos situados sob a luz solar, nem para os localizadas
na área sombreada. Em resumo, nossa retina possui acuidade em latitude
muito maior que a do filme.
A "temperatura de cor" diz respeito às diferentes qualidades da luz,
conforme sua origem. Teoricamente, a temperatura da luz — da qual deriva
a temperatura de cor, já que "cor" é atributo da luz refletida por um
objeto — representa a temperatura a que seria necessário levar determinado
material para que, tornando-se incandescente, produzisse determinada qualidade
de luz. A temperatura da luz é medida em graus Kelvin (não confundir com
a temperatura, estrito senso, também mensurável na escala Kelvin).
A chama de um fósforo fornece luz de cerca de 1.700° K. A de uma vela,
1.850° K. A lâmpada comum de filamento incandescente — que os fotógrafos,
não sem um certo desprezo, chamam de "luz amarela" — produz luz de cerca
de 2.700° K. As lâmpadas fluorescentes trabalham em diferentes temperaturas,
de 3.000 a 6.500° K. As lâmpadas fotográficas costumam oferecer luz a
3.200° ou 3.400° K. O flash eletrônico trabalha em temperatura da ordem
de 5.900° K.
A temperatura da luz do sol varia de 2.000° K (aurora e pôr-do-sol) a
5.800° K, no meio-dia do auge do verão, segundo aferição de Richard B.
Glickman, constante da 5ª edição do American Cinematographer's Manual,
publicação oficial da American Society of Cinematographers (A.S.C.).
Segundo essa fontes, a média estival do meio-dia, em Washington, D.C.,
é 5.400° K.
Já a luz do céu tem temperatura maior, podendo chegar a 30.000° K. A
regra geral é: quanto mais azulada é a luz, maior é sua temperatura. Quanto
mais avermelhada, menor. O padrão industrial para daylight é 5.600°
K.
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Nosso olho dá pouca atenção a essas alterações das condições de
iluminação. É certo que não possuimos a mesma acuidade de discernir
cores de objetos sob certos tipos de iluminação artificial, ou sob
condições mais severas de deficiência quantitativa de luz. Mas nada,
em nossa visão, se assemelha às limitações do material fotográfico
quanto às condições de luz — sobretudo o material fotográfico colorido.
Se usamos, sob luz fotográfica, um filme "balanceado" (ou "calibrado")
pelo fabricante para operar em luz do dia, o resultado será parecido
com a visâo através de um vidro alaranjado escuro. Na operação inversa
— fotografar em luz do dia com filme balanceado para luz artificial
—, o resultado parece ser uma paisagem observada através de espesso
vidro azul.
Essas distorções, facilmente perceptíveis em fotos coloridas, também
influenciam as fotos em preto & branco. Observe-se, por exemplo,
que as fotos P&B tomadas com "luz amarela" doméstica não exibem
o mesmo contraste nem, sobretudo, a mesma riqueza de tons cinzentos
das fotos tomadas com luz do dia. É que o material fotográfico preto
& branco também vem balanceado de fábrica para o padrão da luz do
dia.
Por isso, os fotógrafos profissionais reduzem a "ASA" (ou "ISO")
do filme, quando operam em luz de 3.200 ou 3.400° K. O Tri-X, por
exemplo, cuja sensibilidade padrão é ISO 400, é exposto como se
fosse ISO 320, o que equivale à abertura de 1/3 de diafragma.
Quanto à iluminação fluorescente, mesmo a de lâmpadas com especificação
"luz do dia", produz distorções esverdeadas em filmes coloridos
balanceados para daylight.
A solução, em todos os casos, é o uso de filtros. Ao filtrarem
parte da luz, só deixam passar os raios que correspondem ao espectro
padrão do filme utilizado. Assim, existem inúmeros filtros, para
dar conta das inúmeras situações luz-filme que se costuma enfrentar.
Para o ferromodelista, esta solução possui um inconveniente. Os
filtros não só alteram a qualidade da luz que atinge o filme. Também
reduzem sua quantidade. E obrigam o fotógrafo a abrir o diafragma
da objetiva, perdendo profundidade de campo. Ou, se quiser preservar
a abertura, tem que diminuir a velocidade de obturação. Ou... aumentar
a quantidade de luz.
A melhor solução, em suma, é trabalhar com filme e iluminação apropriados
um ao outro. O uso de lâmpadas fluorescentes é enfaticamente contra-indicado.
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