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EFMM - Estrada de Ferro Madeira Mamoré
A Coleção Dana Merrill:
Momentos decisivos para sua recuperação
Catálogo da exposição
Ferrovia Madeira-Mamoré: Trilhos e Sonhos – Fotografias
BNDES e
Museu Paulista da USP
cortesia: Carlos E. Campanhã
Silvia Maria do Espírito Santo*
Quarenta anos após a realização do trabalho de documentação fotográfica
das obras da ferrovia Madeira-Mamoré pelo fotográfo Dana Merrill, uma
caixa contendo negativos de vidro e acetato foi encontrada em São Paulo.
Não se sabe exatamente quando ela foi trazida por Rodolfo Kesselring,
engenheiro alemão que trabalhou na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Em 1956, as imagens foram entregues pelo filho de Kesselring ao repórter
fotográfico Ari André, que por sua vez as encaminhou ao jornalista Manoel
Rodrigues Ferreira, engenheiro, escritor e sertanista. De um conjunto
de negativos cujo total alcançava mais de mil registros, incluindo aspectos
da fauna e da flora amazônica, o critério de seleção de Manoel Rodrigues
Ferreira foi escolher as imagens referentes às fases da construção da
estrada de ferro. Naquele primeiro momento, decisivo para a permanência
das imagens fotográficas da ocupação amazônica, o olhar de engenheiro
selecionou as fotografias que não se poderiam fazer hoje, em suas palavras.
Os negativos restantes perderam-se. Quanto à autoria das fotografias,
nada se sabia. Os negativos eram numerados mas não assinados.
Esses negativos foram o ponto de partida para que Manoel Rodrigues
Ferreira documentasse, em 17 reportagens, contendo cerca de 100
imagens, aquela desconhecida história da Amazônia. O sucesso das
matérias colaborou para aumentar em 20% a tiragem do jornal A Gazeta,
no qual trabalhava. Em 1959, quando esteve em Rondônia, Manoel Rodrigues
Ferreira teve a oportunidade única de consultar os arquivos da ferrovia,
que seriam incinerados anos mais tarde, por ocasião da sua desativação.
Naquele momento, a editora Melhoramentos propõe a Manoel Rodrigues
a realização de um livro. Em 1959, é então publicado A Ferrovia
do Diabo, uma das mais completas pesquisas sobre a Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré.
Três anos após a publicação, Manoel Rodrigues Ferreira tomou conhecimento
do livro escrito por Frank Kravigny, The Jungle Route (1940). Kravigny
havia sido o escrevente e datilógrafo da empresa May, Jekyll & Randolph
e em seu livro constavam outras imagens inéditas, inclusive do fotógrafo
Dana Merril. Assim Manoel pôde, finalmente, identificar a autoria
do conjunto de negativos em seu poder.
A desativação da ferrovia, o desprezo e o sucateamento de seus
componentes, no início da década de 70, mobilizaram Manoel Rodrigues
Ferreira para a luta pela preservação do patrimônio. A divulgação
da venda da ferrovia como sucata para uma Companhia Siderúrgica
de São Paulo surte efeito e a venda é sustada, mas não a desativação
da ferrovia.
Durante toda a década de 70, entidades culturais protestam contra
o descaso do governo federal para com a Ferrovia Madeira-Mamoré.
Em 1979, o poder público decidiu pela preservação de um trecho de
25 Km, destinado ao uso turístico. A movimentação em torno do tema
chamou a atenção do extinto Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Sphan) e atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), que entrou em contato com Manoel Rodrigues Ferreira
solicitando o empréstimo dos negativos para reprodução. Os negativos
são duplicados por Hans Flieg, fotógrafo profissional, e fornecidos
ao fotógrafo José Romeu Caccione, funcionário do Sphan. Em 1980,
a convite desse órgão, Manoel Rodrigues Ferreira realiza um seminário
sobre a ferrovia em Porto Vellho, onde foram expostas, pela primeira
vez, as imagens de Dana Merrill no local de sua realização.
Meu contato com Manoel Rodrigues Ferreira deu-se em 1993, por ocasião
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré no Museu da Imagem e do Som / SP,
na qual foram divulgadas 70 imagens da coleção e imagens produzidas
pelo fotógrafo Marcos Santilli. Dessa relação de trabalho e pesquisa,
criou-se o espaço para o segundo momento decisivo para a trajetória
da coleção. Três anos após a exposição, em 1996, fomos procurados
por Manoel Rodrigues Ferreira, que, preocupado com a coleção, nos
solicitou ajuda para dar um destino aos negativos. Elaboramos, então,
o projeto de recuperação, difusão e produção cultural da imagens
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a partir de duas fases: a aquisição
e o tratamento documental e físico da coleção e, posteriormente,
a elaboração de produtos culturais. A escolha do local que reunisse
as condições ideiais para preservação e pesquisa das imagens recaiu
sobre o Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Durante anos
apresentamos o pojeto, sem sucesso, a várias instituições bancárias,
visando um possível patrocínio.
O segundo momento decisivo, o de aquisição pelo museu, só foi finalizado,
com êxito, graças à divulgação do prejto feita pelo jornalista Jotabê
Medeiros, num artigo no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo,
quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
tomou conhecimento e se predispôs a patrocinar a doação ao Museu
Paulista da USP através do Programa Nacional de Apoio à Cultura
(categoria Mecenato), do Ministério da Cultura, em 1999.
Os 189 negativos hoje pertencem a um museu público facilitador
da pesquisa e do conhecimento dessa história, que possui pelo menos
três interpretações: a do conflito, a da ocupação amazônica e a
da experiência humana do trabalho. São imagens de construção de
uma ideologia moderna, onde o referente foi o progresso, e que custou
a vida de milhares de homens de diferentes etnias.
A coleção está aberta. Aguardamos um terceiro momento, facilitador
de outros produtos culturais que ampliem o conhecimento dessa parte
inesquecível da História Brasileira.
*Sílvia Maria do Espírito Santo é socióloga e mestranda pela Escola
de Comunicações e Artes da USP
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