A história da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é permeada
por vários acordos complexos, altos custos e empréstimos de capitais estrangeiros.
Localizada no atual Estado de Rondônia, foi construída com o intuito de
ligar Santo Antônio, então um pequeno povoado, a Guajará-Mirim, na divisa
da Bolívia, e, com isso, facilitar o comércio deste país através do rio
Amazonas e de lá para o Atlântico. Por cerca de 400 quilômetros, a linha
férrea acompanhava os rios Madeira e Mamoré, inavegáveis devido às vinte
cachoeiras. A primeira tentativa aconteceu em 1871 por iniciativa do coronel
norte-americano George Earl Church, que encarregara a empreiteira inglesa
Public Works Construction Company de construí-la. Em 1872, após ser definido
o ponto inicial da estrada denominado Santo Antônio, chega à região um
grupo de engenheiros acompanhados de corpo técnico e trabalhadores. O
governo brasileiro, por sua vez, envia uma comissão para acompanhar os
trabalhos. Em 1873, uma nova comissão é enviada pelo governo brasileiro,
e são detectadas as agruras do trabalho da construção, as doenças tropicais
que acometiam os trabalhadores e a insalubridade do local. Tanto que após
10 meses de trabalho não havia sido assentado sequer um trilho. A Public
Works rescinde o contrato, abandonando no local todo o material, e dá
entrada nos tribunais de Londres a um pedido de indenização por prejuízos
e danos materiais. Em 1873 George Church assina o contrato com os construtores
norte-americanos da Dorsay Calwell. A empresa chega ao local no início
de 1874, mas abandona após alguns dias.
A segunda tentativa parte novamente de Church, em 1877, em contato
com a construtora norte-americana P.&T.Collins. Em 1878, chegam
à região os materiais ferroviários, as ferramentas, os equipamentos,
além de técnicos e operários. Os trabalhadores eram oriundos do
Brasil e de várias outras partes do mundo. A região era infestada
por todo o tipo de doenças tropicais, além das próprias dificuldades
da selva, como o contato com os índios e o isolamento. Havia falta
de alimentos e medicamentos, e os pagamentos estavam atrasados.
Em 1878, trabalhadores italianos incitaram uma greve em revolta
pela diferença de seus sálarios comparados aos dos norte-americanos
e irlandeses.
Em 1879, após 1 ano e 6 meses de trabalho, somente sete quilômetros
haviam sido construídos e a construtora P.&T.Collins estava absolutamente
falida. Church, com o fracasso, abandona a idéia de construir a
ferrovia, deixando para trás um cemitério com centenas de mortos,
vítimas das dificuldades da empreitada.
A insalubridade era a causa principal dos fracassos dos empreendimentos
no século XIX. Ao problemático relevo da região, extremamente acidentado,
aliava-se o excesso de mosquitos, cujo número aumentava ainda mais
com as cheias e com a formação de pântanos. O isolamento do local
e a falta de estrutura, como hospitais, recursos farmacêuticos e
médicos, formavam o quadro em que encontravam esses trabalhadores.
Entre 1880 e 1900, o governo brasileiro manda novas comissões,
estuda projetos, mas nada é concretizado. No mesmo período, duas
outra ferrovias estavam sendo construídas ligando o altiplano boliviano
aos portos do Pacífico. Com isso, tornava-se fato que a construção
da Madeira-Mamoré beneficiaria somente o Mato Grosso e a região
da Bolívia entre as bacias dos rios Madre de Dios, Beni e Mamoré,
caindo por terra a idéia de que a Madeira-Mamoré seria a vida econômica
da Bolívia.
Finalmente, em 1903, Brasil e Bolívia assinam o Tratado de Petrópolis,
ficando o Brasil com o Território do Acre e o governo brasileiro
assumindo o compromisso de construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Em 1905, o Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas publicou
o edital de concorrência para a construção da ferrovia, que, após
muita polêmica, foi vencida por Joaquim Catramby, que a vendeu a
Percival Farquhar, empresário de Pensilvânia (EUA), já experiente
em negócios em seu próprio país e na América Central. As obras se
iniciaram em junho de 1907 e a empresa encarregada por Farquhar
foi a norte-americana May, Jekyll & Randolph. No entanto, o empreendimento
sofreu com os mesmos problemas das tentativas anteriores, ou seja,
calor intenso, doenças tropicais, isolamento, falta de equipamentos,
alimentação imprópria e carência de medicamentos.
Neste período o governo federal decide ligar por telégrafo a região
à capital, Rio de Janeiro. Para este fim, foi enviada uma comissão
encarregada do projeto Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato
Grosso ao Amazonas, chefiada pelo então major Cândido da Silva Rondon.
A expedição termina em 1909 com a instalação da linha telegráfica
de Porto Velho a Cuiabá, que já estava ligada ao Rio de Janeiro
desde 1907.
Em 1909, a empresa Madeira-Mamoré Railway Company, fundada na cidade
de Portland, nos EUA, arrenda as obras pelo prazo de 60 anos, de
1912 a 1972. De 1907 a 1912, cerca de 21.000 trabalhadores de várias
partes do mundo trabalharam na construção da ferrovia e, dentre
estes, aproximadamente 6.000 morreram no local. Os trabalhadores
eram, na sua maioria, brasileiros, mas havia também italianos, gregos,
poloneses, dinamarqueses, indianos, húngaros, barbadianos, espanhóis
etc.
Apesar de um hospital ter sido construído no local, em 1908, o
Hospital Candelária, era alto o número de vítimas de malária. Segundo
o relatório do médico-chefe do Hospital, Dr. H. P. Belt, especialista
em doenças tropicais, a região da ferrovia podia ser considerada
como a mais doentia do mundo.
Em 1909, o fotógrafo Dana Merrill é contratado por Farquhar, dono
do conglomerado Madeira-Mamoré Railway, e enviado à região para
registrar a colocação de trilhos, vigas e pontes. Seu trabalho,
entretanto, foi muito além disso e acabou por retratar todas as
dificuldades e a diversidade étnica que marcaram a construção da
ferrovia.
Em maio e outubro de 1910 são inaugurados dois trechos da ferrovia,
respectivamente com 90 (de Santo Antonio a Jaci-Paraná) e 62 quilômetros
(de Jaci-Paraná a Cachoeira de Três Irmãos). É também nesse ano
que Oswaldo Cruz e Belisário Pena, médicos do Rio de Janeiro, chegaram
a Porto Velho, contratados pela Madeira-Mamoré Railway para visitar
e diagnosticar os problemas de saúde e as condições sanitárias.
Em agosto, um mês após a sua chegada, Oswaldo Cruz entrega um relatório
propondo melhorias no estado sanitário da região. Nesse relatório,
o sanitarista constatou que o saneamento da região era impraticável,
pois ficaria duas vezes mais caro que a construção da ferrovia.
Em 1911, um novo trecho é inaugurado, com 220 quilômetros de extensão,
de Três Irmãos ao rio Abunã. E, finalmente, em agosto de 1912 é
inaugurado o último trecho, finalizando 364 quilômetros de extensão.
Em 1923 seriam acrescentados mais dois quilômetros a esse total.
A crise da borracha no Brasill, provocada pela concorrência com
o Oriente e pela Primeira Guerra Mundial (1914), e, mais tarde,
a crise da bolsa americana (1929) comprometeram seriamente a situação
financeira da Madeira-Mamoré Railway. Em 1931, a empresa entrega
a estrada de ferro ao governo brasileiro, interronpendo o contrato
de arrendamento, rescindido três anos mais tarde, em 1934, pelo
governo federal.
Nas décadas de 50 e 60, com a valorização do transporte rodoviário,
as ferrovias começam a entrar lentamente em decadência. Em 1979,
surge a possibilidade de tombar a ferrovia como patrimônio histórico,
idéia que já vinha se desenvolvendo há algum tempo e tinha como
responsáveis a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária
(ABPF) e a Academia Paulistana de História, presidida pelo historiador
Tito Lívio Ferreira, irmão de Manoel Rodrigues Ferreira. Nesse mesmo
ano, é aventada a hipótese de reativar um trecho da ferrovia para
fins turísticos.
Em 1981, dos 336 quilômetros de extensão da ferrovia Madeira-Mamoré,
o trecho de 7 quilômetros entre Santo Antônio e o Salto do Teotônio
- a maior das cachoeiras do rio Mamoré - foi reativado para turismo.
*Colaboração de Manoel Rodrigues Ferreira
**Lara Borriero Milani e Regina Mara Teles são historiadoras e
foram responsáveis, no Museu Paulista, pela pesquisa de texto e
imagem relativa à Coleção Dana Merrill.